sexta-feira, novembro 22, 2024

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Jamaica, Jamaica! — uma exposição concebida pela Cité de la musique — Philharmonie de Paris, produzida e realizada pelo Sesc São Paulo

A partir de 14 de março, o Sesc 24 de Maio, localizado no centro da capital, apresenta a exposição produzida e realizada pelo Sesc São Paulo concebida pela Cité de la musique – Philharmonie de Paris, Jamaica, Jamaica! que chega ao país vinda da instituição francesa, onde ficou em cartaz no ano passado. A mostra, com curadoria do jornalista e diretor cinematográfico francês Sébastien Carayol, terá visitação até 26 de agosto.

Um panorama cronológico e histórico sobre a música jamaicana é demonstrado em oito núcleos, nos quais, em conjunto, traçam um olhar político, social e cultural, tendo a produção musical da ilha como fio condutor desta história, além das pesquisas realizadas pelo núcleo sobre a expansão da música jamaicana no Brasil – Maranhão, Bahia e São Paulo.

Ao ocupar o quinto andar do Sesc 24 de Maio, equivalente a 1.300m², a exposição pretende mostrar que o país caribenho, berço de uma das principais correntes musicais da segunda metade do século XX, tem mais do que reggae e seu ícone universal, Bob Marley.

Nesse contexto, Jamaica, Jamaica! busca reconhecer parte da história por meio do olhar para os conflitos e encontros pós-coloniais que levaram a um movimento musical único e universal. Para ilustrar a diversidade e patrimônio, a mostra reúne fotografias, capas de álbuns, instrumentos musicais, folhetos, materiais gráficos das festas de rua, documentos, áudios e imagens de coleções particulares e instituições.

Além dos acervos reunidos por Carayol, oriundos de acervos e coleções da Jamaica, Grã-Bretanha e França, a exposição no Sesc São Paulo conta com conteúdo especialmente pesquisado para esta montagem, reunido a partir da pesquisa de um grupo curatorial convidado, que apresenta desdobramentos e impactos da cultura da Jamaica no território brasileiro.

Objetos, documentos e imagens vindos do Maranhão, Bahia e São Paulo fazem parte do histórico brasileiro: São Luís, conhecida como a “A Jamaica Brasileira”; a região do Recôncavo baiano, onde se mantiveram as raízes jamaicanas tradicionais do rastafári, e em Salvador, onde houve grande influência do reggae na música local  -particularmente no samba reggae e nos blocos afro; e São Paulo, com os bailes de Dancehall e Reggae da periferia ao centro da cidade, fortalecendo a cultura soundsystem local.

A exposição contará com uma vasta programação integrada, com cursos, palestras, encontros e oficinas e conta também com projeto educativo proporcionando visitas orientadas e ateliês no espaço da exposição.

A EXPOSIÇÃO

A música da Jamaica pode ir além do que popularmente se conhece – como o reggae, o dub, o dancehall. A identidade musical desse país está intimamente ligada a fatos sociais e políticos e esse é um recorte possível de se vislumbrar na exposição Jamaica, Jamaica!
O que pode ser visto são as ramificações da música jamaicana, tão amplas quanto as do jazz ou do blues, e influências que remetem aos dias de escravização, como as formas tradicionais de canções e danças do período de colonização entre os séculos XVIII e XIX.

Já em 1950, as invenções sonoras, advindas dos guetos de Kingston, serviram de modo influente para uma série de questões desse universo, como as bases para parte dos gêneros musicais urbanos modernos e origem a termos da atualidade – como “DJ”, “sistema de som” ou “soundsystem”, “remix” e “dub”, por exemplo.

A exposição Jamaica, Jamaica! procura reconhecer essa história pelo prisma dos encontros e conflitos pós-coloniais que permitiram o protagonismo de Bob Marley, Peter Tosh, Lee Perry, King Tubby, Studio One, Alpha Boys School, Marcus Garvey etc., por meio de estilos musicais como burru, revival, mento, ski, rocksteady, reggae, dub e dancehall.

RÁDIO JAMAICA

A exposição propõe uma experiência sonora que, assim como se conhece da Jamaica, pode enaltecer sentimentos. Para isso, uma estação de rádio foi pensada para ocupar o espaço expositivo durante o período da mostra, que poderá ser acessada pelo portal do Sesc São Paulo.

Em 1959, a primeira estação de rádio local que se tem conhecimento, a JBC  – Jamaica Broadcasting Corporation -, fundada por um dos arquitetos da independência jamaicana, Norman Manley, tornou-se a primeira estação nas ondas da ilha a concentrar-se mais na música jamaicana do que no jazz americano e no rhythm and blues.

O rádio, então, se apresenta como uma fonte de orgulho para os jamaicanos, por ser o primeiro elo na cadeia de produção da indústria fonográfica: os shows de talentos ao vivo em rádio possibilitaram a criação do cenário e estabelecimento de uma indústria musical jamaicana.

Com esse recorte histórico, a Rádio Jamaica, se integra a exposição e apresenta uma série de músicas, sons e playlists, onde é possível trazer o próprio fone ou ouvir em diversos dispositivos eletrônicos.

OS NÚCLEOS

A mostra apresenta um percurso dividido por núcleos, cada qual com recorte temático e que, em conjunto, formam um panorama de elementos marcantes na construção político-social e cultural da Jamaica.

Para além do ícone Bob Marley, a exposição retrata artistas e grupos ligados a música – como Peter Tosh, Marcus Garvey, The Skatalites, The Wailers, etc. -, a criação de ritmos – como o Ska, Soundsystem e Dancehall -, e seus códigos para divulgação, comunicação e representação da própria cultura.

Para demonstrar a complexidade que envolve a ilha caribenha, os núcleos temáticos reúnem objetos icônicos, como pôster, instrumentos, vinis, livros, pinturas e fotografias, expandindo os ecos da influência jamaicana em regiões brasileiras e as ressignificações criadas a partir dessa mistura.

1 | Quatrocentos Anos – Música Rebelde: A Herança Múltipla da Escravidão

A “terra de madeira e água” – Xaymaca, em Arawak – teve início da sua colonização exploratória a partir da chegada de Cristóvão Colombo, em 1494. Ocupada por espanhóis entre 1509 a 1655, e invadida por ingleses após esse período, a ilha tornou-se central para a economia colonial da região do Caribe e tráfico escravista. Os diversos povos raptados em diferentes regiões da África até o início do século XIX foram levados para o trabalho forçado, principalmente nas plantações de cana-de-açúcar.

Ao longo desse tempo, a resistência destes povos nunca cessou. A partir de tais atos, surgiram novas formas de cultos religiosos, provenientes de uma mistura de influências cristãs e africanas, de sons e dança que semearam as bases da música jamaicana.

Dessa efervescência surge o estilo “mento”. Sendo ele, atualmente, conhecido como a forma mais antiga da música crioula jamaicana, nascido no século XIX como uma forma de música folclórica rural.

O mento é uma fusão das heranças da escravização, retiradas tanto das canções e das danças da África Ocidental como dos costumes coloniais da época, a exemplo da Quadrille – uma dança da sociedade europeia. O seu apogeu se deu na década de 1950, deixando o caminho aberto para o estilo conhecido como “ska” – que explodiu na cena musical.

2 | Ska Da Independência! – A Trilha Sonora da Independência

Com o fim da Segunda Guerra Mundial iniciou-se um processo mundial de descolonização, com isso a Jamaica conquistou a independência em 1962 e contaminou a população com euforia. Nesse clima, o ska – uma mistura de tradições locais com o rhythm and blues e o jazz, com batida característica –, cresceu e tornou-se o primeiro fenômeno musical da Jamaica a chegar ao público internacional. O grupo The Skatalites encabeça esse movimento e atinge o sucesso.

De certa forma, o internato chamado Alpha Boys School foi responsável por isso, pois os membros do The Skatalites foram todos educados por essa ordem de freiras católicas, que ministravam um treinamento musical rigoroso. Além disso, outros ex-alunos como membros do Israel Vibration, Cedric Brooks, Vin Gordon, Leroy “Horsemouth” Wallace, Leroy Smart, Yellowman, Leslie Thompson (o primeiro maestro negro da Orquestra Sinfônica de Londres) também possui histórico por lá.

3 | Hey Mr. Music! – Studio One, The Black Ark E O Estúdio De King Tubby: Um Circuito De Produção Como Nenhum Outro No Mundo

No final da década de 1950, acontece a emergência de pequenas discotecas de rua, o que aumenta a popularidade desses “sistemas de som” e a necessidade de tocar faixas exclusivas.  Com isso, os estúdios e a música começam a desempenhar um papel político-social e econômico considerado fundamental para a sociedade jamaicana. Durante as décadas que seguem, técnicas musicais praticadas nos estúdios de Kingston foram adotadas, simuladas e reinventadas em todo o mundo.

O Studio One, fundado por Clement Seymour “Coxsone” Dodd (1932-2004) é apontado como o primeiro de propriedade de negros na ilha e responsável por lançar a carreira de cantores como Bob Marley e The Wailers, Burning Spear, Ras Michael, Alton Ellis, Ken Boothe, Horace Andy e The Skatalites. Recordações dos estúdios de Dodd podem ser vistas na mostra, incluindo instrumentos – órgão de Jackie Mittoo, alto-falantes do sistema de som, etc. – e fotos pessoais.

Na mesma época, o engenheiro de som e produtor Lee “Scratch” Perry, nascido em 1936, equipado com um gravador de quatro pistas e algumas drum machines, inventa técnicas de produção que se espalham para além dos circuitos de reggae; utilizadas ainda hoje.

Já o console do produtor King Tubby (1941-1989) é um dos destaques da exposição. É pioneiro da reinterpretação musical e mostra ao mundo a importância da engenharia de som. O “dub master”, como também era chamado, inventa o remix – técnica utilizada na música popular atual.

O filme The Harder They Come (1971), levou o reggae para a Europa na sua trilha sonora, em que Jimmy Cliff interpreta Vincent “Ivanhoe” Martin, um aspirante a cantor inspirado em um bandido da vida real conhecido como Rhygin, famoso na década de 1940. Raras recordações relacionadas a essa película também são exibidas na mostra.

4 | Sound The System! – O Verdadeiro Instrumento Musical da Jamaica

Na década de 1950, o rádio se torna um item popular. Com isso, jovens empresários decidem organizar eventos de dança ao ar livre, onde qualquer álbum escolhido pode ser tocado. Nasce o sistema de som: festa na rua, com alto falante, discoteca móvel e dancehall  – danças características desses encontros – presente na vida cotidiana da ilha.

Passa a ser considerada uma forma de mercado com o investimento de Tom the Great Sebastian e V Rocket; e surgem os primeiros sistemas de som: The Trojan (Duke Reid), Coxson’s Downbeat (Clement Dodd) e Voice of the People (Prince Buster). Nesse movimento, destacam-se as inovações técnicas, estilísticas e musicais, como a remixagem, e funda a cultura dos DJs tal como se conhece hoje.

A divulgação dessas festas acontece por pôsteres pintados à mão para anunciar os dancehalls e os sistemas de som. Esses materiais representam a herança visual e linguística – e são destruídos pelas autoridades locais, que os veem como propagandas ilegais – e são coletados pelo produtor jamaicano Maxine, nos últimos 15 anos.

5 | Black Man Time – Os Destinos Entrelaçados De “Jah, Rastafari” E Marcus Garvey

Intitulada “Black Man Time” esse núcleo é uma homenagem à música de I-Roy, retrata o destino de duas figuras históricas importantes e interligadas, muitas vezes saudadas na música jamaicana, especialmente no reggae: o imperador etíope Haile Selassie e o ativista Marcus Garvey.

Entre 1680 e 1786, o Reino Unido deporta quase dois milhões de africanos para suas colônias. A resistência dos escravizados estabelece, assim, as bases para uma consciência de classe trabalhadora, que moldada por figuras do orgulho negro, como Marcus Garvey (1887-1940). Conhecido pelo nacionalismo negro, nascido na Jamaica, mas ativo nos Estados Unidos, Marcus Garvey se torna um dos defensores do pan-africanismo. A outra figura é Haile Selassie (1892-1975), imperador da Etiópia, que encarna a resistência contra a opressão e o colonialismo. Após sua coroação em 1930, Selassie é proclamado a encarnação de Deus pelo Rastafári – movimento espiritual e filosófico jamaicano.

No final da década de 1960, alimentados pela determinação em derrubar o sistema de escravização e colonialismo, os rastafáris transformam o reggae em um grito de orgulho militante, sedicioso e místico, para reafimar seus laços com a África e seus antepassados.

Por conta da repressão violenta na Jamaica colonial, os primeiros rastafáris se refugiam nas colinas em torno de Kingston, onde desenvolvem um tipo de música chamado “Nyabinghi”, sob a influência do percussionista Count Ossie (1926-1976).

Os percussionistas rastafáris criam seu estúdio em 1960 e promovem encontros intitulados “groundations”, liderados por um trio de tambores – baixo, funde e repetidor – cujos ritmos parecem seguir os batimentos cardíacos.

6 | Viemos de Trenchtown – Bob Marley, The Wailers E As Violências Políticas Na Jamaica

O conhecido músico jamaicano Bob Marley, nascido na cidade rural de Nine Mile,  passa a maior parte de sua juventude no gueto de West Kingston, em Trenchtown. Conhece Peter Tosh (1944-1987) e Bunny Livingston (nascido em 1947), forma The Wailers e, em 1964, “Simmer Down”, conquista o sucesso na Jamaica. Marcados pela violência nas ruas, The Wailers canta sobre Trenchtown ao longo de toda a sua carreira.

Em 1972, a banda assina o contrato com o selo de Chris Blackwell, chamado Island. O fim do grupo se dá por conta de tensões criadas pelo fato de o selo projetar apenas o cantor Bob Marley – que acaba apresentando Kingston para o mundo antes de sua morte, em 1981.

As marcas das violências acabam transformando a guitarra em forma de metralhadora e um dos símbolos da música reggae na época e veio a ser, também, um ícone de rebeldia e militância. Fica conhecida nas mãos de Peter Tosh; originalmente criada e utilizada pelo californiano Bruno Coon, do grupo de rock Prairie Fire, a guitarra é vendida para Tosh por 550 dólares após um show em Los Angeles, em 1983. Este instrumento é uma das peças emblemáticas da exposição.

7 | Estilo Dancehall – A Música Jamaicana Depois de Bob Marley

Com a morte de Bob Marley, em 1981, a música jamaicana perde um dos seus grandes representantes internacionais. Ao mesmo tempo, uma nova vertente do reggae começa a tomar força nos guetos da ilha: o dancehall. Distante da espiritualidade rastafári de outrora, este novo som narra a vida na cultura do sistema de som, concentrado na beleza e no corpo.

Prejudicado pela dívida externa desde o primeiro empréstimo com o FMI, em 1977, o país estava empobrecendo ainda mais e, com tom provocante e letras sobre armas e sexo, o novo gênero se torna um dos símbolos de descontração para as pessoas contra as pressões cotidianas. Com o dancehall, se criam novos códigos, um movimento musical e corporal, nascido nas pistas de dança ao ritmo dos sistemas de som.

O selo inglês Greensleeves, fundado em 1977, reflete o clima do início da década de 1980, quando o do dub chega ao fim e a fase do dancehall começa. Ao lançar álbuns de diversos produtores jamaicanos, o Greensleeves forjou parte da identificação visual desse novo tipo de som com o apoio do ilustrador influenciado pelos quadrinhos, Tony McDermott.

8 | Mistério Sempre Há De Pintar Por Aí: Um olhar sobre a trajetória do reggae no Brasil

Além do material expositivo mostrado em Paris, em um andar totalmente dedicado à excursão cronológica e temática, estarão objetos, documentos e imagens  especialmente reunidos a partir da pesquisa do núcleo brasileiro.

A influência da cultura jamaicana se estabelece e recria, a partir de 1970, no Maranhão, com discotecagens em festas populares; na Bahia, com Gilberto Gil e Lazzo Matumbi, além do nascimento do Olodum, em 1979 e do Muzenza, em 1981, que deram origem ao samba reggae. Entre as décadas de 80 e 90, surgem as bandas autorais, como a Tribo de Jah, além de movimentos de protesto social ligado ao reggae, principalmente no Recôncavo Baiano, dando origem aos artistas Edson Gomes, Nengo Vieira e Sine Calmon. Da cena alternativa ao pop, com uma estética consolidada popularmente e na indústria cultural, em 2000 as festas de dub e dancehall passam a fazer parte da vida noturna de São Paulo. Tão logo, o sound system- Dubversão – entra em cena nas ruas do centro e da periferia da cidade.

Serviço:
EXPOSIÇÃO “JAMAICA, JAMAICA!”
Curadoria: Sébastien Carayol
Núcleo de conteúdos brasileiros: Caio Csermak, Camila Miranda, Dj Magrão, Lys Ventura, Rodrigo Brandão e Stranjah
ABERTURA: 14 de março, às 20h
VISITAÇÃO: De 15 de março a 26 de agosto de 2018
HORÁRIOS: Terça a sábado, das 9h às 21h
Domingos e Feriados, das 9h às 18h
LOCAL: Espaço Expositivo (5º andar)
12 anos

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