Não é primeira vez que a Secretaria Municipal de Cultura de Goiânia é alvo de denúncias sobre desvios de recursos e de pagamentos de artistas da cultura goianiense. Dessa vez são os artistas do Rap que denunciam o atraso nos cachês prometidos. Eles participaram de uma das edições do Baile da Codorna, evento realizado com apoio da Secult, realizada no dia 8 de junho no Mercado Aberto da Avenida Paranaíba, no centro da capital. O combinado era que os cachês seriam pagos em até 60 dias, mas, até o fechamento desta matéria, nenhum artista foi remunerado, resultando em um atraso de quase 50 dias.
O Baile da Codorna contou com três edições gratuitas neste ano, com intervalos de poucos meses entre elas, além de uma edição especial com a participação do renomado grupo de rap de Brasília, Guindart 121. Artistas importantes da cultura hip hop de Goiânia, como a cantora Rakel Reis, Jottacê e CHTS, da Noiz Por Noiz, MC Fayra Leão, DJ Dhalsim, Ras Tibuia, e Gigante no Mic, entre outros, também participaram do evento.
De acordo com a organização do Baile da Codorna, o evento não foi realizado por meio de editais federais, como a Lei Paulo Gustavo ou Aldir Blanc, mas sim com recursos da Secretaria Municipal, por meio de um edital próprio concedido pelo então secretário de cultura, Zander Fábio, às vésperas de iniciar a campanha eleitoral. Zander deixou o cargo na Secult para cumprir sua agenda como candidato a vereador.
Artistas que se apresentaram na primeira e segunda edições receberam seus cachês devidamente, mas o problema financeiro surgiu na terceira edição e mais de 15 artistas ficaram prejudicados. Entre os rappers que se manifestaram nas redes sociais exigindo o pagamento está Rakel Reis, cantora influente com mais de 15 anos de trajetória no hip hop goiano. Para ela, o evento “usou” os artistas locais.
“Minha indignação é que fizeram a primeira, segunda, terceira e até uma edição especial com artistas de fora de Goiânia, mas não têm verba para pagar os artistas daqui. Para fazer o evento, com boa estrutura, o dinheiro apareceu, mas por que não pode sair do bolso para nos pagar também? Já fiz muitos eventos de graça, mas agora que tenho a oportunidade de ser remunerada, tenho que aceitar isso? Vou cobrar até o fim. É meu por direito!“, explica Rakel Reis em papo com Zona Suburbana.
A contratação dos artistas foi feita por WhatsApp, pela produtora cultural Amábile Cabral, organizadora do evento. Segundo as mensagens trocadas, as apresentações teriam duração limitada para contemplar o maior número de artistas, e os pagamentos seriam realizados de 30 a 60 dias após o evento. No entanto, o prazo foi sendo estendido para 90 dias, vencendo no início de setembro, e até agora não há uma data confirmada para o pagamento.
MC Fayra Leão, que também se apresentou na terceira edição, relata que a falta de informações concretas tem gerado apreensão entre os artistas. “Estamos inseguros sobre receber ou não o dinheiro. Já lutamos para resistir no nosso espaço e ainda temos que lidar com esse descaso. A organizadora apoia claramente o candidato e ex-secretário Zander Fábio, que já foi preso por desvio de verbas da cultura e parece estar repetindo o ato”, afirma a MC.
Questionada pelo Zona Suburbana sobre o atraso, Amábile Cabral afirmou que todas as informações foram comunicadas claramente aos artistas e que há boatos sendo espalhados. “Agendei uma reunião com os artistas e o atual secretário em exercício, Eduardo de Souza. Nenhum compareceu presencialmente, e os que participaram por vídeo não se manifestaram”, disse Amábile.
A produtora ressaltou que os artistas têm direito de se expressar e afirmou que também não recebeu o pagamento dela referente ao evento. Segundo Amábile, o dinheiro para o pagamento EXISTE, mas o atraso é resultado de questões burocráticas internas da Secult.
O rapper Jottacê, da Noiz Por Noiz, que participou de três edições do Baile, defende a organização do evento e acredita que a produtora foi mais uma vítima da Secult. “Há pessoas dentro da secretaria se apropriando da cultura hip hop e da cultura goiana para ganhar dinheiro, usando artistas e produtores como nós. Esse prazo de 90 dias é ridículo. Precisamos pressionar a Secult”, afirma o rapper.
Zona Suburbana procurou a Secretaria de Cultura e a Prefeitura de Goiânia para esclarecimentos sobre o atraso no pagamento. Em nota, ambas negaram o congelamento dos recursos, alegando que os pagamentos seguem os trâmites burocráticos e que casos específicos devem ser tratados diretamente com a Secretaria de Cultura. A Secult afirmou que os processos de pagamento estão em andamento conforme os trâmites e prazos necessários.
“A gente precisa dar um basta nisso de qualquer um chegar na Secult e ser autorizado a fazer um evento sem pertencer à cultura hip hop, e depois nos fazer passar pela humilhação de cobrar o que é nosso por direito”, desabafa Rakel Reis sobre desconhecer a produtora Amábile dentro do movimento.
Esta não é a primeira vez que a cultura de Goiânia sofre com desvios e falta de recursos. Em 2020, Zander Fábio foi condenado por desviar dinheiro do Parque Mutirama, espaço público infantil. Em abril deste ano, houve denúncias de artistas locais devido ao não recebimento de cachês por apresentações no Show no Memorial Iris Rezende Machado – Casa de Vidro, do Festival Goiânia Em Cena, e mais recentemente, do projeto Artdoor 2024 e dos grafiteiros que pintaram o viaduto da T-63.
Os artistas do Hip Hop goianiense seguem na incerteza sobre o pagamento pelos seus trabalhos artísticos. Será que mais uma vez a cultura hip hop tenha sido usada como trampolim para um projeto político?