sexta-feira, novembro 22, 2024

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Brasil não se sente próximo de países africanos, inclusive na música

Seguindo uma filosofia pessoal de conhecer mais da realidade dos guetos e das quebradas ao redor do mundo, especialmente de países de terceiro mundo, tenho cada vez mais escutado gêneros como o reggaeton, zouk, kuduro, afro-beat e kizomba: ritmos da América Latina e de países africanos que vivem uma realidade sócio-econômica muito próxima da brasileira. Existe toda uma questão envolvendo o Brasil no contexto latino na medida em que nós, ao contrário de outros países, não nos consideramos um país latino-americano. Deixando isso um pouco de lado, existe outra questão: nós não nos sentimos também irmãos de países africanos que falam português.

Fazendo exceção aos países africanos que falam português, que mantém muito mais relações entre si do que nós com eles, assim como a comunidade falante de francês onde vários países africanos, latino-americanos e diversos departamentos da França ao redor do mundo mantém canais abertos de comunicação, nós brasileiros nos isolamos. E, entre outras formas, através da música.

Pegando como exemplo o kuduro, um gênero musical criado em Angola (um dos países falantes do português). O kuduro foi criado a partir de uma fusão do Rap com a sungura, um estilo de dança bastante comum na parte sul do país. Alterando um pouco o ritmo tradicional do Rap, o kuduro é um dos ritmos de quebrada mais populares em Angola de forma que existem uma série de festas nos guetos das diversas cidades do país. Apesar dos cantores rimarem, assim como no Rap, a batida mais fragmentada lembra aos brasileiros uma batida mais comum no funk. O problema disso tudo é a forma como os brasileiros chegaram a conhecer o kuduro.

Assim que o kuduro começou a ganhar mais e mais destaque nas rádios angolanas, alguns artistas de Portugal se inspiraram e passaram a produzir esse tipo de som. Vale a pena lembrar que em muitos casos há apropriação cultura: alguns artistas portugueses passaram a cantar kuduro sem dar os créditos da invenção aos angolanos e misturaram a batida tradicional do ritmo com música eletrônica e a música pop. Um desses artistas foi o português Lucenzo. Filho de portugueses e franceses, o cantor começou sua carreira musical no Rap. Inspirado no kuduro lançou em 2010, em parceria com o americano Big Ali, “Vem Dançar Kuduro”, que rapidamente se espalhou por toda europa, inclusive a Itália cujo um dos canais de música, Ego Italy, hospedou seu clipe:

Uma das pessoas que se viciou no som de Lucenzo foi o porto-riquenho Don Omar, uma das maiores referências em reggaeton do mundo. Em menos de dois meses após o lançamento de “Vem Dançar Kuduro”, Don Omar convidou Lucenzo para o lançamento do som que invadiu provavelmente todas as festas ao redor do mundo “Danza Kuduro” e cujo clipe já está quase batendo 1 bilhão de acessos.

Então foi a vez de alguns brasileiros conhecerem a música (porque, afastado dos outros países latino-americanos, o brasileiro também não tem o hábito de escutar reggaeton). Foi apenas o cantor Latino, com participação de Daddy Kall, que decidiu traduzir o hit de LucenzoDon Omar.  “Dança Kuduro” hoje tem mais de 300 mil visualizações e ganhou ainda mais popularidade quando se tornou o tema de abertura da novela “Avenida Brasil”, da Globo.

Então resumindo: Os angolanos (que falam português tanto quanto nós brasileiros) lançam uma música de quebrada. Portugal a partir disso cria uma música, e mistura o ritmo original com música eletrônica e pop. Porto-Rico se inspira nessa música e mistura o ritmo com reggaeton. O Brasil, por fim, traduz a música e só aí, depois de dois intermediários, é que os brasileiros passam a escutar um som que, antes de tudo, é africano e é em português.

Pode-se gastar tempo especulando o porque das coisas serem assim, mas se nós do Rap brasileiro temos o objetivo de valorizar nossa raiz africana e valorizar a nossa cultura da quebrada, escutar os sons das quebradas africanas também é um passo importante nesse processo. Precisamos nos aproximar mais dos nossos irmãos africanos, especialmente dos países que também falam português.

Para finalizar, fica a sugestão do clipe de “Kwankwaram”, da Maya ZudaThe Groove:

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