É uma chave? Um escudo? Uma espada? Uma lâmpada? Um colete? Uma escada? Uma bússola? Um despertador?
Em sua nova música “Lição de Casa”, o Inquérito mostra que o rap é tudo isso e muito mais, trazendo à tona reflexões bastante pertinentes para o momento do país e da própria cultura hip hop. Produzida por DJ Duh (Groove Arts), a canção conta com participações de Tulipa Ruiz e um afiado time de músicos.
Para montar a letra, Renan Inquérito teve a ideia de reunir em uma só poesia diversas frases suas, ditas em entrevistas ou recitadas em shows e saraus. Todas elas possuem um ponto em comum: por meio de metáforas e exemplos pinçados da história, da cultura negra e do cotidiano periférico, cada verso tenta definir o que é rap e qual é o significado de sua essência.
Renan Inquérito busca na história e na cultura popular inúmeras referências que, para ele, simbolizam o espírito do rap, como nos versos “Marighella, Mandella, Guevara, Dandara, Zumbi/ Foram rap antes do rap existir”. Ativista, o rapper também destaca a importância do trabalho de base na militância social – característica que, ao longo dos últimos anos, tem sido ignorada ou preterida por muitos autoproclamados ‘agentes do hip hop’: “E as tia que leva sopão pros mendigo/ É rap até umas hora, mais que os MC umbigo”, versa.
Também a educação ganha atenção especial do músico em “Lição de Casa”, já que Renan é poeta, professor e pesquisador – atualmente cursa Doutorado, sob co-orientação do renomado sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. “Todo professor também é um MC, um ‘mestre de classe’, e é mais exigido do que o MC convencional do rap”, reflete o rapper. “O MC do rap pode passar o mesmo conteúdo todos os dias, afinal sempre fala para públicos diferentes. Já o professor lida com a mesma turma todos os dias e, por isso, não pode repetir o conteúdo nem a performance. Então ele precisa ser um ‘MC’ muito mais cabuloso!”
O videoclipe de “Lição de Casa” reúne cenas de arquivo – captadas por Vras77 e editadas por Diogo Zacarias – das muitas andanças do Inquérito por todo o Brasil e por outros países, como Cuba e Argentina. São imagens de shows, saraus, aulas, encontros literários (incluindo várias edições da Parada Poética, projeto literário itinerante criado por Renan) e diversos outros eventos culturais e educativos. “Meu princípio é fazer, na prática, o que teorizo por meio da música. Então preciso estar nas salas de aula, nos saraus, na rua…”, explica Renan. “Essa multidisciplinariedade é para conseguir chegar onde a música não chega. Tem coisas que não cabem no palco e coisas que não cabem na sala de aula, mas elas se cruzam e se complementam.”
Antes de “Lição de Casa”, neste ano o Inquérito lançou outros dois singles: “Artesanato Eletrônico”, uma ‘cypher’ em que Renan faz uma brincadeira ao interpretar três rimadores ‘diferentes’ e “33”, em alusão à idade completada pelo rapper no mês de abril. Com quase 20 anos de estrada e cinco álbuns lançados, no momento o Inquérito não planeja um novo disco. “Estamos trabalhando bastante, mas ainda sem planos ou esboço de um novo álbum. Mas, quem sabe, né?”