sexta-feira, novembro 22, 2024

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Com potente discurso sociorracial e promovendo ponte entre afeto e luta, Thiago Elniño lança o álbum “Correnteza”

De onde vem sua força e como você está projetando ela em sua caminhada?”. A pergunta é uma das provocantes reflexões que o artista fluminense Thiago Elniño propõe em “Correnteza”, seu terceiro álbum de estúdio. O disco, palco de raps feitos “sob influência ancestral e de forma artesanal no cuidado com as palavras” e que poetizam a vontade e a necessidade de vislumbrar realidades mais esperançosas frente ao cenário que o país atravessa atualmente, chega acompanhado pelo videoclipe de “Dia de Saída” – single que conta com participação do talentoso músico pernambucano Zé Manoel, e apresenta boa parte de todo o caldeirão de elementos e referências do disco, tanto em pauta quanto em sonoridade.

Thiago revela que após o forte “Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos” (2019), que contou com participações de Luedji Luna, Rincon Sapiência e Tássia Reis, ele queria fazer um álbum mais afetuoso e mais reconfortante, mas diante da caótica realidade, só isso não bastaria. Uma das inspirações do artista para delinear o trabalho foi o provérbio africano “a água sempre encontra seu caminho”. “Esse é um momento onde temos poucas perspectivas enquanto humanidade. Ainda assim, você tem que entender que as coisas podem dar errado dando certo, ou dando o menos errado possível, e a única opção que a gente tem é seguir em frente tentando estar o melhor que pudermos”, diz o artista e pedagogo que vê o movimento das águas como símbolo de força e perseverança. “Nesse momento, precisamos ser correnteza”, afirma. 

O álbum chega permeado por referências, como o afrobeat de Fela Kuti, o samba e a música de terreiro. “Fela Kuti é meu maior ídolo na música. Em “Correnteza”, acredito que, enfim, essa influência se mostrou de forma mais direta na sonoridade”, comenta Thiago Elniño. “O samba e a música de terreiro também estão completamente presentes no meu trabalho”, conta sobre as referências da obra vista por ele como mais um passo para aprofundar a afro-brasilidade que suas músicas carregam e afastar estereótipos de que o rap seja nacional seja só “um derivado do que é feito nos Estados Unidos”. 

Bodoque” é a faixa que abre o disco trazendo um evidente afrobeat que fala de afeto e fé, “mas sem ignorar o contexto de guerra contra um inimigo que nos odeia”. A fé da primeira abre alas para a potência de “Baque” – um diálogo entre rap, samba e afrobeat que traz o cantor, compositor e percussionista fluminense Mingo Silva como convidado. É aqui que Elniño escolheu reafirmar que durante o disco vão encontrar algo que envolve amor pelos pretos e disposição para lutar. “Meu rap é uma sessão de pretoterapia”, define em um dos versos.

Já em “Dia de Saída”, parceria com Zé Manoel, o rapper  representa uma conjuntura maior de como o mundo vê a população negra, o homem negro e a sua cultura, além de cravar a confiança de que dias menos doloridos estão por vir. “Quando a gente sair daqui, eu não quero ter que lembrar dos dias que lágrimas regaram dores que o tempo não vai conseguir apagar“, canta ressoando que o sentimento de alívio está sim a caminho. O afeto dá continuidade à tracklist com “Dengo”, faixa que também traz Zé Manoel, agora para uma ode aos casais negros e às famílias afro centradas que evidencia a magnitude da união e do carinho em um cenário em que o etnocídio segue sendo uma realidade. “A forma que a gente constrói nossas alianças é determinante para a continuidade da nossa existência enquanto povo”, declara. 

Mais que ponto de encontro entre a população preta presente aqui e agora, a música de Thiago Elniño ainda se faz ponte para uma conexão com sua ancestralidade. Em “Correnteza Interlúdio I”, onde a voz da cantora e escritora Daiana Damião ilustra a poesia que condensa o conceito do disco, ele relembra que “para que você chegasse até aqui, muita água já rolou. Muita gente teve que ser correnteza”. Já em “Vampiros Veganos”, junto com a artista e historiadora pernambucana Luciane Dom, ele traça caminhos regados à inquietações para repensar a luta antirracista e assim garantir a continuidade da existência de pessoas pretas. “Precisamos ter a atenção necessária para não cair em armadilhas, como a falsa representatividade e alianças enganosas”, pontua.

O resgate do passado também é um dos elementos em “AfroSamuraiGuerreiroNinja (O Retorno)”, mas de outra forma: aqui, Thiago revisita a própria obra e traz uma nova versão de uma de suas músicas de maior alcance.

Eu não gosto de fazer rap que tem como temática o próprio rap, mas, nesse caso, pela conjuntura que foi escrita e pelo cenário de hoje, coube”, diz. Na faixa seguinte, “Hoje Não!”, o artista ainda resgata a parceria com o amigo e rapper carioca Sant, colaboração que sucede o encontro eternizado no hit “Pedagoginga”, lançado no álbum “A Rotina do Pombo” (2017). “Aqui, mais uma vez, a sonoridade afrobeat fica em primeiro plano, à medida que eu quis remeter aos bailes de Fela Kuti, em Kalakuta”, revela sobre a canção de versos que misturam reflexão e “momentos tirando uma certa onda”. 

Em “Como Nascem os Sambas”, nona faixa de “Correnteza”, o rapper repete a parceria com Mingo para apresentar o auge da experimentação sonora que construiu no disco, por meio de um samba que faz um apanhado de todos os temas abordados para exaltar como nascem coisas bonitas criadas mesmo que sob um sentimento de dor. A beleza mencionada na música, inclusive, toma conta dos versos da última canção do disco, “Odú (Caminho)”. Acompanhado pelo cantor Caio Prado, Thiago introduz a expressão em Yorubá, que significa “o caminho que cada um de nós tem”. Conduzido por um afrobeat moderno, como forma de saudar os formatos mais tradicionais do ritmo, o artista encerra “Corretenza” mostrando que sua poesia não é fim, mas sim ponto de partida para novos caminhos. 

O álbum “Corretenza”, está disponível nas plataformas digitais.

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