A morte de Azagaia, um rapper popular levou muitos jovens em Moçambique a protestar contra os problemas do país. O Estado moçambicano e o partido FRELIMO, no poder, respondem com repressão.
A música, lançada em 2008 durante os protestos contra o aumento dos preços da gasolina e da energia, tornou-se um hino de protesto da juventude contra o governo de Moçambique. Azagaia também acusou repetidamente políticos do antigo partido FRELIMO de explorar cidadãos comuns para se permitir uma vida luxuosa.
Em 9 de março, o rapper morreu aos 38 anos devido aos efeitos de um ataque epiléptico. A morte de Azagaia foi profundamente sentida em Moçambique. Vigílias e marchas de luto em sua homenagem ocorreram em quase todas as grandes cidades.
Mesmo em vida, o governo tratou Azagaia com hostilidade. A mídia estatal censurou suas canções. O Ministério Público o acusou de incitação à violência após a divulgação de “Povo no Poder“.
Organizações juvenis nas principais cidades de Maputo, Beira, Quelimane e Nampula anunciaram vigílias e marchas de luto para o fim de semana após a morte de Azagaia.
Aprovadas pelas autoridades, as procissões pacíficas depois se transformaram em violência. Nas quatro regiões metropolitanas, houve confronto entre jovens enlutados e policiais.
Os manifestantes pediram “resistência” e “poder popular“, assim como slogans de protesto contra o governo e as forças de segurança. A polícia respondeu com violência, disparando gás lacrimogêneo contra os manifestantes para dispersar a multidão.
No dia 14 de março, dia do enterro de Azagaia, as forças de segurança agiram de forma particularmente implacável contra os manifestantes quando a multidão tentou carregar o caixão do rapper pela Ponta Vermelha, residência oficial do presidente.
Pelo menos 19 pessoas ficaram feridas só em Maputo, duas delas gravemente. Segundo relatos, um manifestante perdeu um olho depois que uma bomba de gás lacrimogêneo atingiu seu rosto. A polícia também espancou um homem desarmado caído no chão antes de arrastá-lo para dentro de uma viatura, segundo acusações feitas pelos organizadores do protesto em um vídeo na internet.
Segundo a polícia, 36 pessoas foram detidas em todo o Moçambique, 20 delas em Maputo, alegadamente por terem provocado a violência.
“Os organizadores das marchas quiseram deliberadamente agravar a situação obrigando o cortejo fúnebre a tomar um rumo diferente do previsto”, disse o vice-comandante-em-chefe da Polícia da República de Moçambique (PRM), Fernando Tsucana.
Tsucana defendeu a polícia dizendo que eles deveriam tomar as medidas necessárias, acrescentando que os jovens organizadores da marcha seguiam uma “agenda política obscura“.
No entanto, o comitê organizador nacional nega a responsabilidade pela violência. Em conferência de imprensa em Maputo, um dos organizadores afirmou que os manifestantes não eram responsáveis pela escalada de violência.
“Nenhum jovem, nenhum cidadão fez uso de violência. Se houver vídeos ou outras gravações que comprovem esta acusação, deveriam ser tornados públicos. A nossa bandeira é e continua a ser a não-violência“, garantiu a porta-voz da comissão organizadora da marcha, Cídia Chitsungo.
Ao mesmo tempo, vários representantes do movimento juvenil prometeram continuar a marcha em homenagem a Azagaia. “Manifestações pacíficas ocorrerão com ou sem permissão da polícia“, disse David Fardo, outro organizador das marchas fúnebres.
Moçambique está prestes a ter uma série de eleições começando com eleições municipais em outubro, seguidas por eleições parlamentares, regionais e presidenciais no próximo ano. É precisamente antes desta maratona eleitoral que cresce a insatisfação com o partido no poder, a FRELIMO.
Os observadores políticos prevêem que o novo movimento de protesto em Moçambique tem “potencial revolucionário“. Alguns chegam a falar em “primavera moçambicana”, em referência aos protestos da Primavera Árabe que começaram no norte da África em dezembro de 2010.
“O governo moçambicano teme uma perda de controle e está fazendo de tudo para cortar pela raiz o movimento de protesto”, disse Fidel Terenciano, cientista político, disse ao site DW.
“Os governantes sabem que o poder do povo acabará por mudar as coisas. É por isso que eles reagem com essa brutalidade, porque eles permitem que as pessoas sejam espancadas e pulverizadas com gás lacrimogêneo.“
O Comité Central da FRELIMO concluiu que as marchas de 18 de março resultaram de “manipulação política dos jovens” por parte de alguns partidos da oposição. O partido no poder acusou os apoiadores do movimento de se disfarçarem como membros da sociedade civil. Segundo a FRELIMO, o objetivo era desestabilizar as instituições do Estado.
No entanto, o cientista político Terenciano vê o partido governista como uma causa perdida. Dificilmente há como o partido no poder parar a marcha da juventude pela liberdade.
“Esta marcha pela liberdade política é irreversível”, disse Terenciano, acrescentando que os jovens deixaram claro que querem tirar o poder da FRELIMO nas próximas eleições autárquicas. “Se a FRELIMO falhar nas eleições autárquicas, perderá também as legislativas do ano seguinte.“
Moçambique já experimentou ondas de protesto no passado, como contra o aumento dos preços da gasolina ou do pão. No entanto, a FRELIMO manteve-se no poder. Mas as atuais manifestações de massa contra o governo ainda são consideradas incomuns pelos observadores políticos.
“É um fenómeno completamente novo e nunca visto desde a independência do país: os jovens queimam em público cartões de sócios da FRELIMO, t-shirts da FRELIMO ou outros símbolos do partido com total desenvoltura. Isso nunca se viu antes”, diz o cientista político Terenciano.
Fonte: DW