Shackal, de 49 anos, é apaixonado pela música desde a infância, na Rocinha, quando tirava sonoridade das suas pipas e as usava como instrumentos musicais. Trilhado pelo funk e pelo samba nessa época, encontrou-se no rap e no hip hop de uma forma tão profunda que, moldado pelo que via e vivia, transportou para sua arte as vozes dos oprimidos, amplificando-as em sentido, direção, versos e rimas. Um dos precursores movimento por aqui, ganhou inclusive a alcunha de “O Poeta do Rap” colecionando parcerias com nomes como MV Bill, Marcelo D2, Mano Brown, O Rappa, Gabriel O Pensador, Nação Zumbi, Cidinho e Doca, Mistério, DJ Mohamed Malok, entre outros. No entanto, em meio a tamanho reconhecimento, o artista mergulhou nos vícios em álcool e drogas, indo parar nas ruas da Lapa, no Centro da cidade do Rio de Janeiro.
“Um dia você vai retribuir isso”
Nesse período, encontrava amparo sempre que ia ao restaurante Os Ximenes, tradicional restaurante da região, de Eriberto Ximenes, o popular “Ximeninho”, de 73 anos, seu amigo há três décadas. Com o tempo, o apoio passou a se estender a todos os moradores da rua onde mais ficava, a Joaquim Silva.
– Chegou um momento em que eu não tinha mais dinheiro para comprar comida. Entrava no restaurante e me alimentava de graça. Ficava envergonhado, mas me diziam: “come aí, um dia você vai retribuir isso” – recorda Shackal.
O rapper começou a vencer a batalha contra as drogas pouco tempo após ver seu drama exposto no programa de TV “A Liga”, da Band, em 2013, retomou a carreira e mais ainda: abraçou o propósito de construir um presente e um futuro diferentes para quem sofre as consequências da desigualdade social. Livre do vício por completo em 2016, idealizou e colaborou com diversos projetos, como o “Rio Freestyle Batalha de Rimas, Slam de poesias, Skate — um verdadeiro encontro da juventude”, circuito em parceria com a Red Bull e a Prefeitura do Rio que rodou por diversos bairros da capital.
Em 2020, a pandemia de Covid-19 começou e os desafios se aprofundaram. Com isso, ele criou a Tropa da Solidariedade, projeto social voltado às pessoas em situação de rua e famílias periféricas cariocas. A iniciativa começou no início da pandemia com o objetivo de ajudar as pessoas mais vulneráveis e à margem da sociedade com itens básicos de higiene e de alimentação, com alimentos orgânicos obtidos diretamente com pequenos agricultores fluminenses e, através de mutirões, juntam um grupo numeroso e diverso de voluntários para preparar refeições e distribuir aos moradores em situação de rua.
– Temos histórias silenciadas pela dor, o abandono, a indiferença e a falta de perspectiva. É um momento crítico para a população em áreas marginalizadas, que agora enfrenta fome e incapacidade de cuidar de si e de suas famílias, mesmo com as necessidades básicas. Nessas ações, conseguimos juntar a cidade partida, levando para um campo de reflexão pessoas de diferentes bairros da cidade. Assim nasceu a família Tropa: de um desejo de sobrevivência e com muita sede de uma sociedade mais justa e digna para todos. Devido ao sucesso dos mutirões, conseguimos a doação de um espaço na Lapa, onde será a nossa sede. Lá, realizaremos uma série de atividades com enfoque social – conta Shackal.
O movimento, que impacta mais de 20 mil famílias, chamou a atenção de Eriberto, que passou a integrá-lo.
– Todos nós precisamos de ajuda. O Shackal já precisou de ajuda e nós ajudamos. Agora, tem a oportunidade de fazer o mesmo. Quem recebe ajuda reconhece o valor de ajudar alguém. É da nossa demanda humana, um dever nosso. Feliz por ter a oportunidade de ajudar e agora tê-lo ao lado, fazendo o mesmo pelo próximo – reflete Eriberto.
Adriana Birolli e BK’ integram a iniciativa
O projeto tem crescido e ganhado o apoio de figuras de destaque nas artes, como a atriz Adriana Birolli e o rapper BK’, que se tornaram seus embaixadores.
– A gente precisa dessa transformação sociourbana o tempo todo. O projeto vai gerar oportunidades às pessoas que moram na região – declara Adriana Birolli.
Beco do Pantera
A ocupação e a revitalização do espaço público estão entre as prioridades da Tropa, que está desenvolvendo um projeto ousado nesse sentido, baseado na experiência bem-sucedida implementada em São Paulo com o Beco do Batman. A ideia é transformar o Beco dos Carmelitas, na Lapa, num ponto de interseção entre cultura, arte, educação, empreendedorismo e impacto social. A partir de uma série de ações culturais, passará a ser o Beco do Pantera, espaço totalmente revitalizado através do grafite. O nome faz referência a outro super-herói, o Pantera Negra, em conexão às raízes africanas do Centro do Rio de Janeiro. A meta é criar a maior galeria de arte a céu aberto do Rio de Janeiro e uma das maiores do Brasil, ocupando todo o bairro.
– Reuniremos 16 artistas da pintura e do grafite para revitalizar as paredes do Beco dos Carmelitas. Alguns dos maiores nomes da arte urbana no país, como Jotape Pax, Lídia Viber, Agrade Camíz, Bragga, Airá Ocrespo, Marcelo Ment e Carlos Bobi. Vamos também abrir espaço para artistas locais, com oficinas de graffiti – revela Shackal.
As ações começaram antes da pandemia, com intervenções estruturais, como o sistema de iluminação, mas foram paralisadas por conta da quarentena. Por meio da Tropa, Shackal voltou seus esforços, então, para o auxílio às pessoas em vulnerabilidade social. Agora, a revitalização do espaço retorna nos dias 18, sábado, e 19 de junho, domingo, das 10h às 23h, com a “Resenha da Tropa”, evento gratuito que contará com shows de diversos artistas, feira, debates, batalhas de rimas, slam e rodas de conversa.
– Será mais um passo importante a ser dado, pois estamos em busca de recursos para implementar tudo o que será necessário para a região – destaca Shackal.
Na sede da Tropa, localizada no Beco, serão oferecidos gravadora, cursos Pré-Vestibular, de capacitação de cozinheiros, de audiovisual, de fotografia e de grafite para a população periférica, além de um centro de distribuição de refeições para as pessoas em situação de rua, espaço de apoio psicológico a dependentes químicos e à população preta e centro de atividades e eventos. Atualmente, os integrantes estão em busca de recursos suficientes para a abertura de todas essas frentes.
– Nossos pilares são a promoção do desenvolvimento pessoal e profissional através de cursos de capacitação, oficinas, palestras e da inserção no mercado de trabalho; e o fomento da economia local por meio de eventos culturais – detalha o artista.
Como participar e doar
Para saber como ajudar o projeto, seja como voluntário ou doador, acesse @tropadasolidariedade no Instagram ou o site https://www.tropadasolidariedade.com. A sede da Tropa da Solidariedade fica no Beco dos Carmelitas, 9, na Lapa, no Centro.
Programação:
Sábado, dia 18/06
10:00 – Início: Mutirão de grafitte com Bragga, Marcelo Ment, Carlos Bob, Airá Ocrespo, Lídia Viber, entre outros
11:00 – Roda de conversa com a atriz Adriana Birolli / Abertura oficial da sede da Tropa
12:00 – Roda de conversa com os temas: Antirracismo/Movimento Socias/Ações Afirmativas, com Oliver, Renata Terra, Caio Prado, Coworking Preto, Roda de conversas e Pretas
14:00 – Grupo Avera e Oscar Tintel (Pagode)
15:00 – DJ Mohamed: Soul Music Black Power
17:00 – Funkzada dos Crias
18:00 – DJ Marcelinho da Lua
19:30 – Slam das Minas
20:30 – Tantão e os Fitas
21:00 – DJ Egil
22:00 – Goranmo & Ritmo de Favela
23:00 – Encerramento
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Domingo, dia 19/06
10:00 – Início e durante todo o evento: Recreação para as crianças / Flash Tattoo com Aline Maria / Feira e Cowork Preto
13:00 – Atração surpresa
14:00 TROPABLOCO + Coletivo de pernas de com Igorrello e sua trupe
15:00 – DJ Mohamed: Soul Music Black Power
16:00 – Mixterio quase nada Gang
17:00 – KGL Records
18:00 – Tudo bom Records (Mãolee & Cyga)
18:40 – DJ Negralha
19:40 – Batalha de MC’s
Apresentação Shackal & Isaac ZO
MCs:Thorment/Mineiro/Alê/Mr pac/Gordao ZN/Jump/Tarzan/Diportu
21:00 – DJ Foguinho
22:00 – DJ Bare e DJ Mouchoque (Ritmo de Favela)
23:00 – Encerramento