Peço humildemente que leiam com cautela e atenção esta singela homenagem à — 4ª — obra-prima do grupo carioca Cartel MCs, intitulada “Bastardos Inglórios”; com um demasiado charme dado pelos rabiscos do DJ Erik Skratch e mixagem e masterização por Charles Boricceli em 16 faixas, e duas por Erik. Esta é a primeira vez que vou usar e abusar da minha ardil — e exagerada — ousadia, porque confesso que não sou a pessoa ideal para dissecar projeto(s). Porém, o mundo gira, e eu não posso ficar estagnado me contentando com argumentos chulos tipo, “Eu não sei fazer isso”, sendo que nunca tentei. Então, sem delongas, “Vem comigo! No caminho eu te explico” (Cazuza).
Observação: o álbum não teve uma participação, porque, segundo Ber MC, é para mostrar o quanto o Cartel está boladão de reforços, assim permitindo que os próprios soldados mostrem sua fúria com mais furor. O intuito disso é para deixar nítido o quanto [o Cartel] está reforçado, sem precisar de outras vozes para tornar o projeto imarcescível.
1. “Intro”
Produzida por Erik Skratch
O álbum enfatiza profundamente a importância do DJ, trazendo aquele ar de filme (que pode ser facilmente comparado ao emblemático álbum de estreia do grupo Wu-Tang Clan, “Enter the Wu-Tang: 36 Chambers”), repleto de scratches fabulosos, o Cartel está de volta num roteiro sangrento igual filme de Tarantino, e, indiscutivelmente, vagabundo fica puto. O Erik usou scratches cinematográficos e de algumas músicas imarcescíveis que nosso Brasil tem de sobra: Dexter, Racionais MC’s, Daniel Shadow, entre outros tiveram suas vozes riscadas mais uma vez, proporcionando uma ambientação completamente orgásmica. Seu dom de criatividade e autenticidade deixa qualquer um pasmo, mesmo que o ouvinte já saiba como é seu trabalho.
2. “Zinedine”
Produzida por Guga Beats e C. Boricceli
Pela quarta vez o Brasil assiste ao show (…) do Cartel boladão, onde deixam claro que chegou a hora do revide, tão forte como Zidane dando aquela cabeçada no peito do Materazzi. Indestrutível pique Logan Wolverine e usando a violência sem clemência de Chuck Liddell, o repper Ber MC inicia o primeiro verso com uma metáfora interessante, deixando claro que veio mais violento do que nos discos anteriores. Afinal, cada álbum é um filho, segundo o próprio, então podemos dizer que sendo pai mais uma vez, ele está mais cônscio e criativo do que nunca. E para não passar batido, ele deixa bem indubitável a sua paixão pelo boom bap, porque não falta swing nesse beat tipo Wu-Tang que Guga Beats edificou.
Na mesma [faixa], se vai soar como clichê não sabemos, mas o que temos plena consciência é de que o Funkero agiu de forma completamente humana, reconhecendo seu erro: “Larguei a banda que eu amava por burrice. Inclusive, peço desculpas publicamente aos meus sócios pela criancice. Aí, foi mal minha maluquice!” Rimas que deixam qualquer um extremamente boquiaberto, porque ninguém estava esperando por algo do tipo. Mas quando o Ser raciocina, pode se esperar tudo dele. Fazer vários shows lotado, gravar disco, viajar prum montão de lugar, trabalhar sem parar é uma coisa que muitos artistas querem, mas poucos conseguem e raros prezam.
Então vem Erik cheio de munição, com uma fala do filme que dá nome ao disco, antecedendo o verso exacerbado do Pelé MilFlows: “Nós seremos drásticos com a concorrência
e através da nossa crueldade eles saberão quem somos,
falarão a respeito de nós…”
Logo acontece uma coisa esporádica: o beat muda e Pelé vem preparado para o problema, vivendo dias de rei com sua astúcia vocal, sem tempo para ser menino. Com sua voz melódica de arrepiar o espírito e honrando a farda do Cartel MCs, ele não se abala e larga o aço para cima de quem ousar invadir o território [do Cartel], mostrando que nada passa despercebido.
3. “Us Pica du Século”
Produzida por C. Boricceli
“Atenção, não fiquem na rua!” foi o que adicionou Erik Skratch. Pois, diretamente da puta que o pariu, Xamã entrou no Cartel para arrebentar a boca do balão. Muito além da sua visãozinha pequena, a autenticidade dele faz com que o ouvinte se entorpeça com sua levada venenosa que contagia facilmente. Seu recrutamento foi extremamente válido para que o Cartel volte para o topo, de onde nunca deveria ter saído.
A lei do retorno sempre volta, independentemente do que fazemos na vida. Absorvemos aquilo que transmitimos. É mais que lei de Newton. É Pelé no verso. Na música. No rep. No Cartel. Nesse pique ele só quer dançar com a sorte mais gostosa, porque o danado sabe que se encaixou bem com essa galera.
Não restam dúvidas de que o Cartel Bastardos tá de volta fodendo com a porra toda, né? Funkero nunca deixa de emergir-se com transgressão. Vede! Cartelzada granada sem pino pronta pra explodir. Então, por favor, Alguém avisa na redondeza que vai dar ruim se alguém ousar se arriscar em atravessar o caminho do Cartel.
Pique [The] Pharcyde, o Ber vem com um verso sucinto, mas direto, jogando verdades no ventilador, deixando claro que está protegido com o DJ Erik Skratch na sua contenção.
Ainda com mais coisas para cuspir, Xamã retorna no conto do [produtor, roteirista e cineasta] Francis Coppola com rimas A-B:
Eu tenho dois estiloUm é camaleão tranquilão
O outro é crocodilo
Um deles é um ex vacilão
4. “Prenda-me Se For Capaz”
Produzida por Antraz Mentalz e C. Boricceli
Com uma guitarra alucinante florescendo o beat, que dá uma outra sonoridade ao registro, Xamã chegando na cadeia era só mais um novato. Fez cinco ou sete rimas e já virou [o] rei do pedaço. Almoçando lavagem, até dividiu seu maço [de cigarro], vivendo a vida no fundo do poço. [Mas] mesmo sem faculdade, ele tem seus privilégios. E mesmo enjaulado, o Cartel segue gritando foda-se, porque precisa dessa vida bandida.
Faltam seis dias, quatro meses e três anos para o Ber sair pelo portão e ver sua liberdade cantando. Sua mãe chorando, os olhos de sua mina, o polícia o enquadrando e 1kg de cocaína. Tocando Racionais “Diário de um Detento”, ele alvejou os policiais, sirenes demais, cheiro de sangue no vento… Eram R$30,000,00 entocados no assento. Mesmo após levar um tiro na perna na altura da batata e outro acertando e explodindo seu omoplata. O civil deu uma banda nele, que logo caiu de cara. Como sempre, alguém filma, e da varanda tinha uma tiazinha registrando tudo. Com alguns minutos de tortura no caminho para o hospital, quatro ou cinco viaturas para escoltar o marginal.
Xamã não perde tempo, aproveita a oportunidade e deixa notório o quanto eles são o pesadelo do sistema, com Ber na voz de fundo, boladão.
No pico chamado Al-Qaeda, Barba Loira era o vulgo de Pelé, comendo uma comida ruim para caralho, seu filho fez dois anos e a saudade bate no peito. Diferente de Gucci Mane, ele escreveu vários reps mas nenhum saiu direito. Vivendo uma vida proibida, avisa para sua mulher que já está em Maio, e Fevereiro do ano que vem ele voltará para os braços dela. Logo, sua mãe, seu orgulho, o quer fora dessa vida proibida, que se o rep der certo ele larga esse ramo, mas os manos que o cercam gostam demasiadamente do seu trabalho.
Funkero, o Kurt Cobain do rep inicia seu verso agressivo com o bisturi na mão, olhar de medo, grito de dor tendo o corpo humano como seu material de pesquisa. Desde criança sempre foi peculiar, viciado em horror, diversão macabra, esfacelando os dedos na martelada sem dó nem piedade, mostrando o quanto é sangue frio, na madrugada, e ainda dando risada. “Seus olhos são tão lindos! Eu quero guardá-los, vou arrancá-los”, ele diz parecendo com ar de romântico quando na verdade é um grande sangue frio, com várias cabeças no freezer, canibal igual Hannibal, mas acabou sendo preso pela polícia digital. Tomou maior prejuízo, mas agora pretende virar a celebridade do presídio. Vrau!
5. “Hey Jack”
Produzida por C. Boricceli e J. Boricceli
Pelé dá uma aula com sua voz visceralmente melódica nesse álbum recheado de referências abordadas de maneira explícita. A maneira como ele se impõe nas músicas só prova cada vez mais que mereceu ser recrutado para este Cartel, cujo talento pode ser notado com muita afirmação nesta faixa, iniciando a mesma enfatizando o nome da obra-prima, com o Erik riscando bonito um funk clássico do épico MC Frank. Com Ber botando para foder no primeiro — e reflexivo — verso e Pelé usando o back vocal da melhor forma, o chefe te passa a visão: ninguém é melhor que ninguém; segure sua emoção, o Ego te torna refém. Pois é preciso ter os pés no chão, ser cônscio(a) para não permitir que o Ego venha à tona e destrua a sua vida. É muito fácil permitir a ação do mesmo. Entretanto, não é quanto sabe bater, e sim o quanto aguenta apanhar.
Não é quanto pode dizer, mas quanto faz sem precisar falar. Afinal, falar é prata, agir é ouro.
Funkero não perdoa em seu verso. O tempo passa, e lá se vão quase vinte anos perdendo, ganhando, errando e acertando. Trazendo à tona uma referência muito surreal de uma música dos paulistanos Doctor MCs, Tic-Tac, o tempo vai passando, e ele, como músico, não dorme, está acordado, sonhando, ganhando algo de alguém e deixando algo seu em cada cidade. Afinal, cada olhar, viagem, sorriso, mensagem são suas verdades. Na linha seguinte, uma admoestação: papo de rep game, grana é ilusão. Segundo o próprio, se fosse só por dinheiro ninguém estava nesse ramo. “Esse papo fútil de retrocesso não me interesso”, confessa. E acrescenta duas perguntas: “Do que adianta sucesso se o seu som está mal feito? Está enganando quem além de você mesmo?” Ademais, palavra é arma; e ele não está aqui para dar tiros a esmo.
O verso do Xamã é a aplicação original da letra que ele adaptou na “Poetas no Topo”. Isto é, “Hey Jack” veio depois, mas foi composta originalmente para o álbum. Não obstante, dizem que o Xamã canta de Glock, então ele vem com sua lírica hi-tech, aconselhando: nunca jante com um vampiro vindo de Woodstock. Afinal, Robert De Niro é top, e seus filmes são absurdamente influenciadores. [Mas] Xamã está dirigindo métricas de forma irresponsável, causando acidentes positivos na mente dos ouvintes do Cartel, querendo um Batmóvel no universo Marvel. Em linhas próximas, ele adentra com uma metáfora absurdamente icônica, seguindo inabalável como o Hulk: incrível. No entanto, ele pede: “Esquece tudo que eu falei e curte o pôr do sol enferrujado na janela do busão”. Porém, como esquecer? Seu lugar no Cartel já é visto como uma das contratações mais valiosas do rep nacional, tal como a do Neymar para o Paris Saint-Germain.
Ficou de marra, Pelé logo manda um murro. Ele enaltece que não tem paciência para menor que é burro. E está certo. A burrice é, muitas vezes, causada pela própria letargia. Atualmente a rapaziada está letárgica, apontando os erros do próximo e esquecendo os seus. E sejamos sinceros: o pior ser humano é aquele que acha que sabe de tudo. Ademais, Vodka com Ki-Suco chega a ser um absurdo.
6. “Srta. Sexo & Afins (Parte III)”
Produzida por C. Boricceli e J. Boricceli
Que tal falar sobre sexo, putaria, chupada, linguada, lambida, penetração e o que mais for necessário? Wooo! Além das músicas eróticas do Cartel, eis aqui um blog com muito conteúdo assim.
Ela sempre foi tão sexy (…) Ela sempre foi gostosa de alma underground. Como não se apaixonar? Para acelerar o coração do sujeito, ela ainda mexe esse rabão e empina ele para a lua. Tem o dom de seduzir, provocar como ninguém. O Ber disse que ela não é desse planeta. Rebolando nesse beat só de meia preta, o inspirou nessa letra. Fantasiada de enfermeira, abusada é decidida em ser mulher para a vida inteira. Com uma produção fascinante edificado pelos Boricceli, a ambientação vai progredindo, fazendo o ouvinte se apaixonar e adentrar na faixa, no mundo dos reppers.
Pelé fica maluco com a ‘maravilhosidade’ dela, porque na cama essa mina é puro calor. Fica difícil não enlouquecer. Ela é fogo o tempo inteiro, só quer beijar, marcar tapa. Tem um bumbum tão fausto que dá até para virar pandeiro. Essa mina é maluca. Na cama fica solta.
Funkero, também alucinado, a vê como a senhorita ninfo, viciada em foder o dia inteiro em vários lugares: do chão para o sofá, cozinha, varanda, banheiro. Pede “pentada” agressiva, ela por cima quicando é furacão Katrina… Imagina a pressão que ela é? Vichi! De quatro põe a mão na parede, faz charme, se empina… Que cena divina!
Erik antecede o verso do Xamã com uns scratches de efeito fenomenais, e logo o beat vira um pagodinho gostoso, repleto de putaria sagaz desse carioca sacana. Com rimas A-B, ele inicia: “Essa madrugada eu vou dormir na casa dela
Essa noite eu vou negociar no coração
Diz pra nega botar água e feijão na panela
Nosso amor vai se concretizar no seu colchão”. O verso vai além, mas só este exemplo já basta. Este estilo de rimar é uma das coisas que poucos reppers fazem e/ou se importam.
Ela diz para o Xamã que nunca sente medo e quando sente é disfarçado, zoa para caralho, vende uns baseados; nunca dorme cedo, quer vê-lo domado, mas ele diz: “Eu não posso ser domado”. A novinha é a Tieta [do Agreste] do conto do Jorge Amado, que em 1989 foi exibida na Rede Globo como uma telenovela, tendo Betty Faria no papel-título. Belíssima referência!
7. “Bastardo Infame”
Produzida por Poik
Essa é mais uma daquelas faixas onde o Erik Skratch pode ser comparado a Cristiano Ronaldo se caso houver uma cobrança de pênalti: se um outro alguém ousar pegar a bola para realizá-la, ele mete a mão na bola e diz que a ‘responsa’ está na dele. Juntamente do beat completamente surreal que o Poik edificou, uma sujeirada do caralho nesse boom bap lembrando muito a golden era, cada risco do DJ é um marco na história. Claro que o Erik já estava eternizado antes, mas depois desse álbum ele zerou a vida.
Com uma introdução extremamente notória do filme que dá nome ao álbum e uma mulher gemendo gostoso de fundo, o Ber MC chega afiado, “Nós é disposto, filho, e vive o que canta”, não escondendo seu rosto, se diferenciando dos outros MCs que se calafetam através da música para transluzir uma imagem que não chegam nem perto de ser. Usufruindo o beat com suas rimas díspares, como muitos, ele odeia o Estado, não paga os impostos, e foi salvo pelos seus versos que vão se eternizando nesse rep nacional repleto de engodo. “É o Cartel insano, o mais fumegante cano, segue real o plano (…) acumulando notas, multiplicando rotas, segue de pé a frota dos reis do RJ”, finaliza com chave de ouro.
As demasiadas referências são abordadas sem dó,
desde rimas metafóricas às punchlines díspares. Isso vai enriquecendo o projeto, assim
fazendo o ouvinte se questionar: “O que será que vai ter de excelso na
próxima faixa?” Porque tudo faz sentido, inclusive o que Xamã diz: “Tem muito moleque que acha que é homem só porque a mãe comprou uma camisa do Al Capone”. Oras, como discordar? Fala sério! Gente que ainda fede a leite fingindo ser o que não é só para chamar atenção — que ainda tem gente pior que dá. E o botão do foda-se, acione, mas raciocine, que o creme não é o crime, porque suas referências estão em cima: “Eu sou John Constantine (…) Flow [Harry] Houdini, quero que se dane, bate e volta, John Travolta, Jean-Claude Van Damme”.
Refrão para quê?! “Gravando a cena vai! O bastardo…” dos Racionais é riscado minuciosamente, seguidamente com “Sem corte, liga a filmadora e desliga o holofote” do MV Bill, um dos maiores pesadelos da Rede Globo.
Funkero usa o melhor sarcasmo para iniciar seu verso: “Drogarias Cartel, bom dia! Meu nome é Funkero, sou o Farmacêutico responsável. Posso ajudar? Está querendo dormir ou precisa de algo para acordar? Temos o vício certo para o seu desespero. Aqui a satisfação é garantida ou nós devolvemos o seu dinheiro”. Voltamos para o básico, condecorando uma chuva de referências, Surfista Prateado, Tocha Humana, Coisa e o Homem Elástico, Cartel mutante igual Uri Geller com a mente entortando colher. Funkero faz alusão a uma conversa do Professor [Charles] Xavier com Chico Xavier, tropeçando no próprio cadarço, cheio de raiva, deu um socão na cara de um cara que tinha uma placa escrito “E aí, aceita um abraço?”. Porém, ele acorda de manhã já mandando o sol se foder, sem dar a mínima para qualquer opinião de merda que alguém tenha para dizer a ele. Subversivo, ele pisa e mija nas plantas do Jardim Botânico. Dr. Estranho? Não, Dr. Satânico. O Papa é pop, o que o Padre faz com criança na sacristia? Cartel infame, heresia, Sargento Pincel, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias.
Pelé, triturando o beat, vindo de Nikity, voltou com os menor que faz rep, cheira pó, bafa loló mas só canta papo quite. Falando em kit, ele quer vários Supreme, Adidas, Nike, para suprir sua necessidade de andar bem trajado em outra casa, outro drink, onde outra puta dá chilique, e Erik vai finalizando riscando mais que tatuador.
8. “Moacir Love Song”
Produzida por C. Boricceli e J. Boricceli
Cceli on the beat, alimentando o início deslumbrante de um [beat] trap music que foi muito bem aproveitado pelos soldados do Cartel, com Pelé largando seu gogó de ouro como back vocal no início, e Xamãzinho entrando indagando [sua?] mulher: “Vamos se amar sem amor?” E ela disse: “Desgraçado!” Entretanto, ele adora filmes e dias sem cor, só anda mal acompanhado. São 7h, desligue seu despertador, porque…
Pelé emergiu-se de acordo com o que ela disse: “Hoje não!” Pelo fato de ele sempre voltar. Mas será que ela é cônscia de que ele só sabe amá-la? Calma, vá devagar. Nada pode pará-los. [Mas] ela sabe que ele é safado, por isso sempre pede um pouco mais, gosta do jeito que faz: fumaça na cara, puxão de cabelo… essa novinha é sagaz. Pede um cigarro, traga, não sai do seu lado; geme, o deixa calado, igual Coca-cola, vai cheia de gás. Menina maluca, diz: “Pelé, atura ou surta!” E é nessa hora que ele se perde nas curvas daquele corpo esbelto e ainda degusta os seus sinais.
Xamã, querendo mais, adora o quarto bagunçado. E os vizinhos quando ouvem o seu gemido ao som de [John] Coltrane. E na noite em que os poetas dormem eles aprontam um bocado. Seu teatro é como a Broadway, e o seu ballet Lago dos Cisnes, indo para a Infinita Highway, pedindo para que ela arranje um novo namorado.
De volta ao show, Pelé no trap dá aula, mas de um espécime distinto do boom bap. Logo, ele aperta um haxa (haxixe), ela olha para ele, diz como gosta e suaviza, deixa fluir, devagarzinho que a deusa se molha. Ele, como o Xamã, quer amar sem amor, só com uma pequena porção. Pede para ela pegar o cobertor, deitar do seu lado, arregaçando a voz, o moleque tira onda com a melodia, ela não sabe o que ele sente, mas acaba com ele. E ele a quer do seu lado, mas ela não faz seu tipo. Para finalizar, Erik risca bonito o “Calma! Está tudo tranquilo” do Qxó que ele espanca na música “Xish”, um remix da música “Check” do Young Thug.
9. “X-Men”
Produzida por Antraz Mentalz
“X-Men” foi o primeiro single do Bastardos Inglórios, com Ber, Erik e Xamã, e uma produção impecável do Antraz. Um boom bap que causa orgasmos espirituais quando mesclado com a introdução excepcional do Erik para dar aquele gás que você só podia esperar dele. [Os riscos] são da música “A Volta” do Câmbio Negro.
Quem quiser prejudicar vai ter que lutar bastante
É a volta, tô na área mais agressivo que antes
Quero declarar
É a volta, tô na área
Sou um presente de grego de quem tentou me parar
Cartel é máquina mortífera, a banca mais temida, deixa amostra suas vísceras, avança Ber. Sua agressividade nessa música é algo a se condecorar; a flexibilidade no flow suave ou no speed (que é atípico) é um diferencial interessante. A seguir, linhas que merecem uma boa ênfase: “Eu sou preciso igual Tiger Wood/ Mais rua que “Boyz N The Hood”/ Meu rep é Top 10 do Snoop [Doggy Dogg]”. Aqui ele se compara ao jogador de golf Tiger, deixando nítido que é preciso e se garante no que faz; também [compara] o poder de seu rep com a música do falecido repper Eazy-E, provando que é mais rua que esse hino americano; e logo se condecora de um marco excêntrico para um artista, porque anos atrás o emblemático Snoop fez uma lista com as músicas mais quentes do hip-hop mundial de acordo com o seu conhecimento, e botou “St. Amaro” no top 10 dessas very hot. E olha eles em Hollywood, com mais contato que o [Juan Carlos Ramírez] Abadia (um megatraficante de drogas colombiano que chegou a ser considerado pelo FBI como o segundo homem mais perigoso do mundo depois de Osama Bin Laden). Por isso, é rude sua poesia. Enquanto o rep o salvava, sua firma ia crescendo e o negócio prosperava. O progresso lhe rendeu duas metáforas: uma com Maradona (ex-jogador de futebol argentino que era conciso no que fazia dentro de campo com a bola nos pés), onde ele diz que o Cartel tem mais astuciosidade, e a outra fazendo da autenticidade uma alusão ao flow sinistro do repper Capadonna, membro do Wu-Tang Clan. De total flex, predador igual [o repper] T-Rex, ele ainda calou o hater com durex na falta da fita-crepe, admoestando: “Se tu não entende o meu rep, é claro que tu é moleque”.
Bandidão no fluxo, Xamãzinho mata um membro do Ku Klux Klan, e brota no segundo verso de Tucson, seguindo uns russos em Amsterdã, fazendo milhares de referências, como à Lex Luthor, Jason X, Max Steel com seu flow muito bem cadenciado, calculista em cada rima, fazendo jus a sua entrada no Cartel.Logo, Erik proporciona um refrão impecável com colagens imarcescíveis:
“Tô sentindo um clima nada leve
Esse é o Ber, Xamã, Erik Skratch
Tô sentindo um clima nada leve
Mais do mesmo não me apetece
Tô sentindo um clima nada leve
Esse é o Ber, Xamã, Erik Skratch
Tô sentindo um clima nada leve
Cartel MCs, censurar, ninguém se atreve”
A parte riscada do Xamã [Tô sentindo um clima nada leve] é do seu verso no som “Dia de Caça” da 1Kilo; a do Ret [Mais do mesmo não me apetece] aparece na música “Distante”, do segundo álbum do Cartel, #CartelPulpFiction; e a outra [censurar, ninguém se atreve] é de uma linha do Black Alien em “U-informe”.
No terceiro verso do Xamã, ele faz uma parada que deixa qualquer ser humano pasmo, com uma chuva rimas foneticamente reproduzidas em “ep”:
A Z.O tá no rep
Fei, anota meu CEP
O piloto no flow picotou o boom bap
Como eu tô, jack?
De PT e XT posto no snap
E comentou: MEC
Após essas linhas, umas sequências com a fonética “io”:
Valeu, valeu, tio
GuBan, C.G, Rio
Xamã piou com Ber
Double Kill
Um maluco no pedaço de fuzil
Tia Vivian diz que quer conhaque e rivotril
Ber volta a emergir-se no 4º verso, começando como a linha do segundo verso em que o Xamã mata um KKK, e transborda seu verso de referências, começando pela Jeffreys Bay (que é uma localidade pertencente à província Oriental do Cabo, na África do Sul), porque ele vem direto das ruas, essa é sua lei. Na linha seguinte ele diz que o Cartel é Sensei (que é uma palavra em japonês usada como um título honroso para tratar com respeito um professor ou um mestre) e que profetizou tudo isso. Ele já cansou de confessar que Extraterrestres existem e se amarra nesse assunto, assim acreditando que Deus na verdade é um Alien Grey.
Alien Grey |
Enquanto na rave de Alex Grey (um artista americano especialista em arte espiritual e psicodélica ou arte visionária que é por vezes associados com o movimento da Nova Era) ele olhou e pensou: “Tu é mais cego que o Ray [Charles]” (foi um pianista norte-americano, pioneiro e cantor de música soul, blues, jazz). Seu estilo é bandido, por isso é bom não se meter com ele. Ele diz que é Nirvana, [e] você Coldplay, ou seja, o primeiro é mais transgressão, o segundo é mais paz e amor. E se você fizer cosplay do Morrisey (vocalista da banda inglesa The Smiths), ele te soca, tu cai, te chuta, porque na highway (autoestrada) ele tem deejay. Liga para o Pablo [Escobar] para iluminar a estrada com um candelabro, pois seu bonde no beat é macabro. E se você quiser, pegue o display, aperte replay, porque Ber no beat é tipo O Talentoso Ripley. Depois disso ele imbicou (foi) para a Disney conhecer o Mickey, visando fazer dinheiro.
E para finalizar, mais arranhões do Erik, com o Cartel MCs de G3 na contenção. Portanto, não vacile com eles. Afinal, a Kalashnikov [está] no porte pronta para disparar.
10. “Gucci Mane”
Produzida por C. Boricceli
Começando com umas riscadas cabulosas, o beat envolvente tem Ber no primeiro verso cantando o refrão que gruda na mente mais do que uma colagem do Erik nos scratches. Metendo uma referência braba que poucos sabem, ele inicia: “Tu não invade minha casa, tu já morre nos cachorros”. [A referência] é relacionada ao que aconteceu em 10 de Maio de 2005, quando Gucci foi atacado por quatro homens em uma casa em Decatur, Geórgia. Ele, que estava com uma mulher, recebeu diversas coronhadas, mas conseguiu pegar uma arma e disparou no grupo, matando um e fazendo os outros três correrem. Então, o que Ber diz é que ele pode não ter armas para atirar, mas sim seus (lindos) Pitbulls loucos para defender o lar. Logo ele diz que precisa ser estudado por ser história desse jogo, que o Cartel é cult, não corra, lute.
Sem refrão antes do Pelé envolver o ouvinte com sua voz pique Chris Brown, Erik rabisca bonito, e o Barba Loira começa seu verso esbanjando as melhores roupas, as melhores mulheres, porque ele é o Pelé, né? E ele sabe que roupa falsa não é cara. iPhone, [tênis Nike] Air Max e gelada, sobretudo, dominando o game em cada canto do mapa.
Xamã brota novamente, e educadamente: Muito boa noite! Porque ele é o dono dessa porra, melhor se acostumar daqui para frente (…) Na rua a regra é outra, no entanto, ele casou com a filha do tenente. Por isso, é melhor se acostumar daqui para frente. Ele segue deixando as digital na SIG Sauer, também na calculadora (…) Todo tatuado, derrubando Harry Potter da vassoura, melhor se acostumar daqui para frente. “Nós bebe cachaça pura, mas gosta da loira (cerveja), trouxe punchline de presente”, ele diz.
Finalizando a ‘envolvência’, Ber canta o refrão para corroborar uma alusão ao Radric Davis, que para ele é o mais mafioso do game.
11. “Cinco Estrelas (Parte II)”
Produzida por C. Boricceli
Essa é uma daquelas faixas que você ouve e relaxa refletindo da melhor forma. O beat vai cadenciando o ouvinte, prendendo a atenção, com a voz do Barba Loira sampleada pelo Charles logo no início, com um harmonizador que dá um efeito de coral bem interessante. “Com isso a voz fica no efeito Vocoder (um mecanismo de adir um sinal de microfone ao circuito de um teclado). Então você toca o teclado, mas você tem a articulação vocal. As notas são do teclado. [Mas] a articulação timbral é da voz”, disse Charles.
Ber domina no peito e sai no primeiro verso. Visando gastar a grana do cachê dos shows com sua mina, pegando as drogas e botando a melhor playlist na repetição e transar a noite inteira, tirar um hit desse beat. (…) Essa mina é para casar, curte Black Alien e Speed, ele e ela alucinados vai ser sempre o melhor feat (abreviação de “featuring”, que em português significa ”participando”). Fodendo na piscina, depois ligam a hidro e ficam mais a vontade; pressionando-a contra o vidro — Erik realiza um rabisco —, em cima da mesa o banquete está servido, o bagulho esquenta, eles vão para o tapete e ocorre as arrepiantes lambidas no ouvido, a mais princesa e o mais bandido, embriagados, alucinados de perigo. Afinal, do que uma mulher não é capaz de fazer na vida de um homem? Com essa [mulher] ele se sente bem mais vivo, porque a reciprocidade dela transluz isso para ele. E entre orgasmos, fumaça, espasmos… com champanhe na taça e muito sarcasmo eles botam um nome no suor da vidraça que nem ela aguenta e começa a suar de tesão. Porque isso é Cartel, não tem melhor! Toma que é de graça. E no quarto do hotel ela fica linda pelada e de lupa da Chanel — Erik risca bonito a voz do Ber no verso da “Srta. Sexo & Afins (Parte I)”.
Na expectativa de um refrão que dê frio na barriga e aquele imenso sorriso espontâneo de orelha à orelha, Barba Loira o reproduz de um espécime tão melódico e rimas construtivas que possivelmente abriu a porta do quarto do hotel na suíte presidencial e viu a mina completamente peladinha para ele, dançando ao som do Cartel, porque foi de foder.
Agora em seu verso, ele fica todo a vontade com essa mina, degustando seu kunk e uma dose de tequila que o faz beijá-la nua dos pés até a nuca aumentando a adrenalina. Segundo ele, de Botafogo até a Lapa ela é a mais gata e o deixa de cara quando pede um tapa e vai por cima com a marca do biquíni que instiga em demasia, juntamente do cabelo solto, seu moreno corpo, seu bumbum gostoso o alucina, fazendo com que ela dê uma mordida nele; arranha suas costas, geme bem a felina. Ele gosta disso, ela sabe que [ele] não brinca, cumpre seu serviço; ela mama direitinho, porque com ela é só putaria.
Pelézin dá mais um gás antes do Funkero entrar e…
[Ela usa uma] lingerie da cor do pecado, não tem como dizer que não a ela. O danado ficou apaixonado, enlouquecido de tesão. [Ela] deixa acontecer naturalmente, bebendo vinho branco; em casa ouvindo Amy [Winehouse] sua boca o chama, seu corpo o chama, sua bunda o chama (…) Ninfa (de ninfomaníaca), em qualquer posição ela é ninja (gíria usada para uma pessoa malandra, sinistra): linda de quatro, de lado, por cima. Fez a paradinha tirando a calcinha-a-a-a-a. Querendo foder como se o mundo acabasse hoje, sua bunda tem o encaixe perfeito para a face dele. Como um anjo caído (referência à Lúcifer) em cima do seu colo, ela goza de novo olhando nos seus olhos. Inclusive, ele perde a linha com a cara-de-safada dela pedindo por mais, pedindo por trás. Viciado na sua raba, ele não pára de lambê-la. Buttman Star, é Cartel cinco estrelas.“Gosto quando tu transa e me olha, e eu te peço, ‘Fica um pouco mais?’”, começa Xamãzin, incendiando. É dia de sair 19h, ele pede para ela descer que o Ber vai passar para buscá-la, que se quiser levar uma amiga só não pode arrumar briga, porque ele não quer saber de problemas. Aproveita: o MC Xamã te ama tanto que quer levá-la no camarim, te oferecer uma bala, um doce para levar além dos rolézin, visando fazer um filho em modo Super Sayajin, ou então Martinho da Vila, devagar, devagarzinho. Beije-o ou saia da fila.
Pelé finaliza a faixa cantando o refrão e subsequente Erik dá o apito final rabiscando firme para não perder seu lado ardil.
12. “Atento”
Produzida por Poik e C. Boricceli
Querendo gritar para tirar o vazio da boca do estômago, Xamã adentra com seu flow fugaz nesse boom bap arrepiante do Poik, com referência a Atlas sobre carregar o mundo nos ombros (castigo que Zeus deu para Atlas de
sustentar para sempre nos ombros, o céu), ele busca ficar o mais atento
possível também com as pessoas que o abraçam na intenção de apunhalá-lo
pelas costas.
Atlas no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles |
Fumar um para amenizar a dor na consciência e os socos que ela dá para te nocautear (…) E se a cara rachar e cair, abaixa e cata, e daí? Camisa larga atrás da rima é a história amarga do MC que faz de si: médico, monstro e mais um pouco; aguenta, suporta mais um pouco, vai!
Ao invés de um refrão cantado, Erik realiza uma colagem da música “Respeito é Pra Quem Tem” do Sabotage, riscando:
“Nem me viu, atento com tudo”
E em seus ombros, Ber também sentiu o peso do mundo. Para se aliviar, subiu para o quarto, abriu a gaveta e viu o caderno no fundo. Pernoitado e moribundo, animal igual [o ex-jogador] Edmundo, ele pensa mil merdas por segundo. Porém botou o fone, quem sabe o rep não o livra? “Isso é jogo de campeonato”, ele diz. “Cobrei por cima da barreira, entre o goleiro e a baliza. E foi nos acréscimos que o sonho se realizou, porque eles o deram como morto mas ele tendo mais um sopro ele podia ganhar qualquer um na corrida. Ademais, finaliza com uma punchline do caralho: E se a gente trocar soco é porque tu é suicida. Com certeza eu sou mais louco e mais bandido na esquiva
E Erik finaliza com aquelas riscadas sensacionais que você já conhece.
13. “Essência do Início”
Produzida por Mr Break
Poucos sabem, mas Mr Break foi o primeiro beatmaker do Brasil a vender beat. [Ele é] um dos beatmakers e produtores mais sinistros da cena nacional, e resolveu deixar sua marca em mais um projeto do Cartel MCs — como no #CartelPulpFiction, mais especificamente nas faixas “Quando a Noite Cair”, “Srta. Sexo & Afins (Parte I)”, “Valore$” e “Onde Os Fracos Não Tem Vez”.
Com Erik riscando a colagem da música “Parte de Mim” do paulistano Kamau, “Busco progresso sem perder a essência”, o clima da música só transcende com Ber no primeiro verso enfatizando que quem faz os fãs chorar é a volta do Cartel (…) Lembrando do início… essa porra é mais que vício. Seu cérebro em exercício e seus olhos assaz vivos, assistem o bug que o Cartel causou no jogo do rep aqui no Brasil.
Pelé no refrão mais uma vez chega bonito, com classe, lembrando do passado, por quanta coisa ele passou para chegar até aqui, sonho de moleque ter um microfone e gente para ouvir, roupa nova para usar, uma gata para namorar, só que nem tudo são flores, e desde menor aprendeu que foi foda vender 1kg e ganhar nada. Cantar em evento fodido e pagar sua própria entrada. Ainda sofreu com esculacho de polícia enquanto sua mãe em casa de família, e lembra: “Porra, meu velho trafica, me sinto na Faixa de Gaza”, vivendo em um ambiente onde tiroteio é trivial.
Pulando do refrão para o segundo verso, ele mantém o pique, enfatizando: “Amo o rep, vivo o rep, meu trabalho, meu lazer”. Não deve nada para ninguém, tem seu nome limpo na praça, e está tentando mudar, tentando mudar e ninguém pode pará-lo.
Erik volta a riscar “Sem perder a essência”; Pelé segue “Sem perder a essência”; Funkero mantém o pique “Sem perder a essência”; Xamã, pesadão “Sem perder a essência”; e “O Ber te alerta (…) Mais que grana, mais que fama”.
Sonhando em modo vida loka, com 20 prata (…) Cancelaram o churrascão, tu viu o preço da Alcatra? Mas ele foi ardiloso: brotou no sacolão, depois comprou carne moída e batata; ainda fez uma referência ao épico [Afrika] Bambaataa (um dos pioneiros do hip-hop) e ao Jorge Aragão, porque Ber está na contenção, com seus Pitbulls na proteção, porque primeiro se paga quem se deve.
“Sem perder a essência”, os scratches voltam à tona, muito bem representados pelo Erik.
14. “União, Pureza e Fé”
Produzida por C. Boricceli e Erik Skratch
Diretamente das costas do Cristo, Xamã brota nesse trap sinistro e abarrotado de referências. O primeiro verso é com ele mesmo. Deixando claro que sua cuca não é oca e sua oca (referente à lar) não é no Pão de Açúcar. Ele mete marra mermo, e com um flow muito bem cadenciado se torna cada vez mais altivo conforme vai dropando suas rhymes. Ele tem uma gata na escuta. Logo vê dois mandados de pistola no ponto do Francis Coppola (um roteirista reconhecido internacionalmente por dirigir a aclamada triologia The Godfather), e se pergunta: “Cadê minha bazuca?” A fim de explodi-los e sair fora. Nas linhas seguintes, ele bate no peito para dizer que mata Emily Rose (referente ao filme de terror O Exorcismo de Emily Rose) com tiro na nuca e depois pula a catraca.
Sem refrão, Ber brota, como Xamã pediu, mandando um salve para à comunidade Santa Marta:
SANTA MARTA UNIÃO PUREZA E FÉ, FÉ, FÉ, FÉ, FÉ!
SANTA MARTA UNIÃO PUREZA E FÉ
PAZ JUSTIÇA E LIBERDADE
ASSIM NOSSA FAMILIA É
Para agradar o patrão, pega a visão: traz camarão (…) Hoje a noite tem rep. Os loucos da cena em peso na track. É só aproveitar o momento e curtir legal. Entra no flow. Sente a levada. Cartel no trap é machadada. Ber dispersa suas rimas lembrando a época em que fazia freestyle nos boom bap no tempo da escola. Depois de adolescente, iniciando a fase adulta, ele enfatiza: “Inventamos a roda”, e não faz rep por moda, e sim porque ama. Afinal, ele foi um dos pioneiros do movimento que erigiu as rodas culturais no Rio de Janeiro.
Mais a frente, ele se compara ao Messi, jogador de futebol que atua pelo FC Barcelona, afirmando que não rola a bola para quem é Lassie, porque sua paixão é por Pitbulls.
“Hoje eu quero “embrasar”… amanhã eu penso na vida”, disse Funkero. Afinal, tudo tem seu momento. Ele só quer curtir a vibe que o transborda. E acrescenta: “Todos sendo abduzido na mesma viagem”, ou seja, uma referência óbvia aos Extraterrestres que vem à Terra para abduzir os humanos, pois segundo reflexões, profundas, eles [ETs], apesar de evoluídos em certos pontos, ficam boquiabertos com a nossa capacidade de reprodução. Por isso, papo de futuro, brow: controla a porra da onda para não arrumar k.o, vai! Mantenha-se no controle da situação. Não se perca. Mesmo que você esteja sem destino, que esteja sem horário; continue ligando o piloto automático, mesmo que a onda bata e geral esteja chapadão, cuidado com o amanhã, mesmo que hoje você só queira ficar doidão.
15. “Tranquilão”Produzida por Guga Beats e C. Boricceli
Bori está no beat e Xamã aproveitou o embalo, mas tropeçou na porta sanfonada torta, foi urinar pegou na tampa e se amarra em fumar a planta que não dá em horta. Ele não liga para o vizinho cagueta, só quer sua gata sem camiseta para fugirem dos canas igual Projeto Zeta. “Meu estilo é de primata e tu não sobrevive a treta; na missão só de mochila e o James Bond sem maleta”, ele corrobora. É o fim do mundo, porque ele com a caneta é extremamente poderoso.
Erik brota, marca presença do melhor jeito possível rabiscando “Sempre tranquilão”, antecedendo o verso do Ber…
Brotou no segundo, afirmando que linhas são atemporais, é o retorno dos imortais, . Ele só queria paz sem precisar seguir o curso do rio. Mas nem tudo é como queremos, e a vida é desafio. Um café, um caderno vazio pode satisfazê-lo, porque assim ele pode compor mais letras fabulosas para dropar no mundo. Entretanto, o Cartel não tem rivais, eles conhecem o poderio.
16. “Fluxo”
Produzida por C. Boricceli
Pensa em um beat FODA! Pensou? Eis aqui. Não precisa ir buscar em Atlanta com OG Park, Metro Boomin, TM88, Southside e os caralho a quatro. Boricceli espanca em demasia também. Nesse trap ele tirou onda — que inclusive é uma das suas faixas favoritas do projeto.
“Yeah, yeah… Skrr, skrr…” lembrou legal Quavo dos Migos com sua mania de fazer alguma graça no início dos sons. Mas aqui temos Xamã, que inicia seu verso com uma vontade absurda de usar sua liberdade de expressão: “Cartel porradão, punk, Jack Nicholson, tem maconha pa caralho, gostosa e pichação” enquanto Amarildo sem notícia (referente ao caso do desaparecimento do pedreiro que morava na favela da Rocinha, em Julho de 2013) sumiu do mapa sem deixar vestígios. Mas quando perguntaram ao Xamã, “Cadê o DJ?”, ele estava riscando no novo disco do Cartel e não podia atender ninguém.
Erik faz uns riscos sucintos e logo Barba Loira pega o embalo que o Xamãzinho deixou, acelerando, melódico para caralho, chapadão de codeína, muita grana, várias drogas, várias minas, outra vida, outra foda, o mundo é foda, mas ele se diz mais foda nessa jogatina. Ele não pensa em parar, por isso segue disparando rimas contra aquele que tem o Ego inflamável. Deixa as minas, porque elas estão em casa. É o Cartel acima do topo — 1Kilo —, Cartel acima do topo — tranquilo —, Bori está no beat — ele está tranquilo —, Cartel acima do topo — é o bicho! —, e ele segue tranquilo. Ficou bolado com ele? Resolve com ele. Ele é um perigo. Cuidado! Só brotou menor bolado. Cartel é inflamável. E vocês ficam bolados…
Agora, no terceiro verso, uma coisa que não acontece sempre: Ber rimando rápido. Rapaz, que isso!? Flagra: Ele diz que é um mafioso russo, tatuado bem na cara, que usa e abusa das rimas e roupas caras tipo as que você não tem. Então, mano, segue o fluxo porque eles estão bem só ouvindo o clássico John Coltrane numa festinha nada zen. Na continuidade ele vê o mundo de pernas para o ar, sente o grave de verdade, veja as minas rebolando… é de hipnotizar!
É o Cartel de Tucson, Tucson, o Cartel é o fluxo… Bori está no beat, segue o fluxo, fluxo…
Funkero voltou a 220v como um piloto de fuga bolado junto da sua gangue. Ele pede para acelerar a nave, rolar o baseado para decolar com mais prazer. A pista está uma uva, fluxo à mil; passaram tão rápido que os vermes nem viram, pois estavam ocupados fodendo a vida de quem não deve nada. Tropa cantando pneu, fodeu! + Velozes + Furiosos, poeira nos cornos dos invejosos. [Mas] foda-se eles, foco nos negócios; se ficar na reta vai ser atropelado, hein!? O bonde está sem freio. Não está ouvindo a buzina, não, retardado? Vai ser cortado ao meio! Quer anotar a placa? Se fodeu, ele não tem. Vai reclamar com Deus. E mesmo que soe blasfêmia, sem problemas, porque a gata está na janela e sem sutiã. Hã!
É o Cartel de Tucson, Tucson, o Cartel é o fluxo… Bori está no beat, segue o fluxo, fluxo… Eles são o fluxo!
Para finalizar a faixa, o Cartel convida Quavo, diretamente de Atlanta para… Ops! Não, espera! Pensei que essa voz no Auto-Tune era o repper, mas na verdade é o Pelé da barba loira. Rá, que moleque talentoso!
17. “Kalash” (Faixa bônus)
Produzida por Poik
Com scratches extraordinários da colagem “AK-47 aqui é foda/ AK-47 com um pente de 90 é moda!” tirada da música “De Homem Pra Homem” do épico MV Bill, eis aqui mais uma daquelas faixas entupidas de referências. Liderando-a e iniciando seu verso, Ber ele faz referências à estrelas da música como Amy Winehouse, Ray Charles, Alfred Hitchcock (um cineasta britânico, considerado o “mestre dos filmes de suspense”), Kurt Cobain, John Coltrane, Wu-Tang Clan, Albert Hofmann (mais conhecido como o “pai” da droga sintética LSD) e ao emblemático grupo Cypress Hill, mais especificamente à notável música “Insane in the Brain”.
Antecedendo o refrão abusado visceralmente dos scratches envolvendo MV Bill e Racionais, Erik manda: Será que tamo preparado para uma rajada?
Rá-tá-tá-tá…
Cartel boladão porta Kalashnikov
Uma rajada batendo no peito
Parado vira alvo por isso
Já era, um abraço
Cartel boladão sem k.o porta Kalashnikov
AK-47 batendo no peito
Parado vira alvo por isso eu mesmo faço!
Lá vem Funkero, em alta definição, na pole position com uma pá de referências também: Amy Winehouse, Stephen King (um dos mais notáveis escritores de contos de horror fantástico e ficção), Jedi Mind Trick (grupo musical), James Brown, Basquiat (um artista americano que ganhou popularidade como um grafiteiro na cidade onde nasceu), míssil Tomahawk, e ainda faz referência ao desenho The Road Runner (no Brasil: Papa-Léguas), onde Funkero passa pelo coiote tão rápido que até faz beep, beep, beep, beep como se fosse o papa-léguas.Desejando morte aos reppers ching ling (falso; aquilo que engana), cortando pescoço com facas Ginsu, ele não perdoa.
É o Xamã enaltecendo brabos como Johnny Blaze (o primeiro Motoqueiro Fantasma), Nicolas Cage, Liu Kang (o mais popular personagem fictício da série de videogame de luta Mortal Kombat), Johnny Cage (também um personagem do Mortal Kombat), OutKast, Michael Jackson, Jack Nicholson, De Volta Pro Futuro ou McFly (um personagem fictício e protagonista da trilogia De Volta Pro Futuro), Phil Collins, Bob Marley, Ziggy Marley, enfim… parece que os caras tiraram uma música só para citar referências. Um boom bap cabuloso, remixado, pois foi disponibilizado em 2016 cuja faixa integraria o álbum que se chamaria Kalash, mas com a saída do Delarima e as novas contratações de peso, veio a se chamar Bastardos Inglórios.
18. “Alienígenas do Passado” (Faixa bônus)
Produzida por Poik
Ber sempre quis gravar um registro desse tipo, e chegou a hora. Um boom bap extremamente sinistro e com uma riscada cabulosa do Erik sobre “Alienígenas do passado”, o beat envolve um clima bem enigmático no começo da faixa, parecendo que uma nave OVNI está no estúdio enquanto eles gravam.
Ber usa sua sapiência sobre esse assunto, enaltecendo os povos antigos, Incas, Aztecas, Area 51 (conhecida por ser uma área militar nos EUA, mais especificamente em Nevada para teste de aeronaves experimentais e sistemas de armas (projetos negros), e também envolve milhares de boatos de que eles são secretos, sigilosos quanto a contatos com Extraterrestres) que os militares ocultam da nossa visão, querendo alienar a mente humana de que eles não existem. Vale enfatizar também que já foram vistos vários Crop-circles em várias plantações pelo mundo à fora, transmitindo várias mensagens que humanos estudaram e disseram que pode até ser obra humana. Mas é de se duvidar.
Todavia, Funkero também mostra o que sabe em seu verso, contando a sua versão do que acredita: O enigma das piramides alinhadas com Órion são contatos imediatos de um passado distante (…) Mensagens subliminares escondidas em imagens (…) Somos feitos de material estelar; visitantes modificaram nosso DNA (nunca deixaram de nos visitar) (…) Triângulo das Bermudas, mistério sem explicação; a NASA encobre toda e qualquer aparição, abdução, tudo para ofuscar nossa visão (…) Nunca estivemos sós, para além dos sóis; Quando o segundo Sol chegar, naves-mães será o Eclipse; guerra dos mundos, Apocalipse; recuperamos então nossa memória, descobriremos as mentiras da história.
Muito bem finalizada, Erik risca com efeitos extraordinários, e assim o álbum se encerra, com muito talento de todos que trabalharam nesse projeto.