sexta-feira, novembro 22, 2024

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Especial Mês da Mulher: Dina Di – A Rainha do Rap Nacional

É muito difícil falar sobre a grande rapper Dina Di e sobre o grupo que a colocou em evidência, o Visão de Rua. É difícil pelo fato de ter falecido “no auge de ser mulher” (nas palavras de Negra Li) e por ser difícil encontrar materiais (músicas, entrevistas, entre outros) do seu trabalho.

Dina Di

Dina Di é o nome artístico da Viviane Lopes Matias, que nasceu em Campinas, interior de São Paulo, em 20 de Março de 1976. Ela iniciou sua carreira no rap em 1989, fundou o Visão de Rua em 1994, tendo lançado aí sua primeira canção, Confidências de uma Presidiária” onde fala sobre o precariedade do sistema carcerário brasileiro.

Em 1997, lançou seu primeiro single “Periferia é o Alvo”. Então com o grupo Visão de Rua lançou 4 álbuns: “Herança do Vício” (1998), “Ruas de Sangue” (2001), “A Noiva do Thock” (2003) e O Poder nas Mãos” (2008). Devido à qualidade desses trabalhos, o grupo concorreu ao Prêmio Hutúz (a maior premiação de Hip Hop nacional) em 6 edições do evento tendo vencido na categoria “Melhor Grupo Feminino” em 2000 e 2001 e “Melhores Grupos ou Artistas Solo Feminino da Década” em 2009.

As letras do Visão de Rua, falam sobre muitos assuntos diferentes e seria difícil falar sobre todos eles aqui. Mas Dina Di fala muito sobre as todas as dificuldades de ser mulher, sobre violência doméstica, sobre as dificuldades de se viver na periferia, sobre a dificuldade de se ter filhos na nossa sociedade, e sobre como é importante assumir uma postura ativa e ter fé em Deus para aguentar essas dificuldades e mudar o sistema opressor.

Veja alguns trechos:

Periferia é Alvo” (1997): Eu digo mais, hoje eu tô numa legal, a consciência forte/ Longe do fumo, da pedra, longe da mira da morte/ Confrontar riqueza, fome é o que sobra na mesa/ Morre a esperança e aumenta cada vez mais a incerteza./Se abrem as portas da destruição é real/ Aí o sistema cria a cada dia um marginal/ Citei um lado mau, taí porque ninguém aqui está a salvo/ Periferia é o alvo.

Meu Filho, Minhas Regras” (2001): Pra contar, pra trampar, só se for de doméstica, ai que tá/ Você não é a única da fila creche, não tem vaga/ E seus pivete vai ficar com quem?/ O crime é foda mais, mas passa fome é bem pior/ No desespero a mãe nem pensa se vem fácil ou com suor/ Agora uma criança chora, solidão é o resultado/A mãe atrás das grades, seus irmãos jogados/ Cada um pedindo esmola pra comer sozinho/Sabe lá Deus que caminho ele vai seguir/ Sem ninguém, Febem, droga ou polícia/ A mãe ta lá sem noticia, o canalha nem quer saber/ O pai filha da puta que só faz filho por fazer.

Dormindo com o Agressor” (2008): Milhares de mulheres ao redor do mundo/ sofrem nas mãos de homens violentos, covardes, sem sentimentos/ pelos filhos são capazes de suportar o troco da dignidade, perde o prazer de viver, auto-estima, a liberdade/ Meu bem, meu mal.

A Filha do Rei” (2008): Um paraíso um dia a terra á de ser/ Um novo amanhecer/ E uma esperança os justos podem ter/ Sobreviver!/ A voz dos mudos, surdos vão ouvir/ Os olhos dos cegos vão se abrir/ Um rosto triste vai voltar a sorrir/ Jesus falou , e vai cumprir/ Pode acreditar em mim/ O mundo vai duvidar, a vida é assim/ E não há nada pior do que a falta de fé/ Sem Deus, sem chance de ficar em pé/ Assim que é!

Fora a carreira de rapper, é muito difícil encontrar informações sobre a vida pessoal de Dina Di. Entre os materiais sobre ela, existe uma entrevista que ela deu para a jornalista Eliane Brum publicada na edição de 02/09/2002 na revista Época, com o título de “A Voz Feminina dos Guetos”, onde a rapper falou que passou muitos dias na FEBEM e foi várias vezes levada para distritos policiais quando era adolescente. Disse que fugiu de casa quando tinha 13 anos porque estava cansada de trabalhar para a mãe, desde os 7 anos de idade, vendendo rosas, bonecas de corda e cachos de uva nas ruas. Disse que estudou até a terceira série do ensino fundamental. Falou também que descobriu a Cultura Hip-Hop quando tinha 16 anos e se vestia com roupas largas dizendo: “Eu não queria botar roupa justa para olharem para a minha bunda e não repararem na minha música. Queria que ouvissem a minha verdade”. Só depois de quase 10 anos de carreira a rapper abandonou os óculos escuros e o boné adotando uma trança no cabelo, salto alto e passando uma sombra azul nos olhos.

Dina Di

Dina Di veio para romper com o machismo no rap. Nessa entrevista para a Época a rapper disse: “Eu nunca paguei pau pra homem. Do nosso mundo, só nois conhece. Cada mulher sabe o medo que ela tem. O homem pode ver, mas não pode sentir. Por isso, eu tenho o maior respeito pelos Racionais mas, vai me desculpar, chamar uma mulher de vadia é muito difícil de aceitar. O Mano Brown fala da mãe nas letras, mas nunca da mulher dele. Qual é a resposta? Resistir. Eu sou Dina Di. E o meu bagulho tá no sangue.

Um lado triste de toda essa história foi quando, nessa entrevista, a rapper disse que seu maior medo era que a Dina Di morresse e ela fosse esquecida no rap, porque a Viviane Lopes Matias, seu nome de RG, é “uma mina que não tem emprego, nem estudo, nem chance. [Uma mina que] não nasceu pro crime, mas não tem currículo nem pra faxina”.

O triste disso, especificamente, é que quando a rapper faleceu em 2010, ela ficou consagrada como a rainha do rap nacional mas, ao mesmo tempo, seu trabalho tem perdido força desde então, sendo menos tocado e comentado pelas pessoas que fazem parte do movimento Hip Hop no Brasil. E mesmo pelo fato de ter morrido de infecção hospitalar enquanto dava a luz a sua filha faz lembrar o quanto várias mulheres por todo o Brasil sofrem e nem sempre são bem tratadas nos serviço de saúde, sejam públicos ou privados. De uma certa forma, se Dina Di era e sempre será a rainha do rap nacional, a Viviane virou um número da estatística de mulheres que sofrem na sociedade preconceituosa em que vivemos.

Então, se nós do rap temos um compromisso com o que fazemos, devemos sempre nos lembrar do trabalho de todos e todas que fizeram a música e a Cultura Hip-Hop crescer. E lembrar desse trabalho é, sem dúvida, manter sempre viva a música e as reflexões de Dina Di.

Para matar um pouco da saudade da rapper, o site MySpace, manteve em funcionamento a página que Dina Di usava para divulgar algumas músicas do Visão de Rua, fotos pessoais e de seus shows.

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