Então, a carreira da rapper Iggy Azalea nunca foi tranquila. A rapper já foi acusada de racismo, apropriação cultural e de roubar o protagonismo da luta das rappers negras ao cantar um estilo de música (rap) que supostamente não pertence a ela, especialmente após seu grande sucesso em 2014. Nesta terça-feira (1) a revista Ellen do Canadá publicou, como matéria de capa, uma longa entrevista com Iggy Azalea explicando melhor seus posicionamentos e a sua música. Será que ela convenceu? Para você entender toda essa história, nós do ZonaSuburbana fizemos essa matéria especial para que você acompanhe todas as tretas envolvendo a rapper.
1. Quem é Iggy Azalea?
Iggy, que hoje tem 25 anos, nasceu em Sidnei, na Austrália, e aos 16 anos mudou-se para os EUA pretendendo seguir sua carreira no Hip Hop. E conseguiu. Em 2014 estourou com o hit “Fancy” (em parceria com a cantora Charlie XCX) alcançando a segunda posição do ranking de melhores músicas da temporada pela Billboard. Iggy também estourou com “Work”, “Black Widow” (parceria com a cantora Rita Ora) e “Beg for It” (parceria com a cantora MO).
As músicas da rapper tem letras bastante diferentes entre si. Mas muitas giram em torno de ostentar o quanto é uma mulher poderosa, trabalhadora, independente e sensual. Acompanho o trecho traduzido de seus principais hits:
“Fancy” (algo como Chique): Eu sou tão chique, você sabe disso| Eu viajo bem rápido de Los Angeles para Tóquio|Eu sou tão chique, você consegue sentir esse ouro?| Lembre do meu nome: ele vai estourar;
“Work” (algo como Trabalhar): Eu fiquei acordada a noite toda tentando ficar rica| Eu trabalhei muito pelas minhas coisas| Eu joguei o jogo duas vezes para viver como eu vivo hoje| Eu trabalhei muito pelas minhas coisas;
“Black Widow” (algo como Viúva Negra): Eu vou te amar até você me odiar| E eu vou te mostrar o que é realmente maluco| Você deveria saber mais sobre mim| Quando veio pegar pesado comigo;
“Beg for It” (algo como Implore por Isso): Eu sei que você gosta do meu jeito excitante| Eu estou aqui com as minhas amigas| Eu vou te fazer implorar por isso| Se você não fizer as coisas da forma correta, vai voltar para casa sozinho| Eu acho que você vai ter que implorar;
2. Iggy e as tretas
Seria pouco dizer que Iggy Azalea criou algumas inimizades ao longo de sua carreira. Se a rapper estourou musicalmente, ela foi bastante desacreditada por muitas pessoas do Hip Hop por ser uma mulher branca sem expressar, em suas letras, quaisquer tipos de combate sociais contra o racismo ou contra a desigualdade social. Assim, ela foi vista como uma mulher branca que estava usando o Rap como forma de ostentação, o que deturparia a imagem do movimento Hip Hop como um todo já que estaria protagonizando um movimento cultural associado às vivências na periferia e da população negra. Em outras palavras, Iggy supostamente teria usado uma cultura da população negra e moradora da periferia, sem qualquer compromissa com essa população, apenas para se promover pessoalmente. Esse incômodo aconteceu principalmente pelas pessoas que escutam Rap. E em quaisquer deslizes a questão vinha à tona.
Em 2014, Nicki Minaj ganhou o prêmio de Melhor Artista de Hip Hop Feminina na premiação BET Awards, que estava disputando com Azalea. Em seu discurso de agradecimento, disse que “Quando você me ouvir cuspindo, pode ter certeza que fui eu quem escrevi”, que foi compreendido como um ataque à australiana. Demoraram algumas semanas até que Nicki Minaj se pronunciou dizendo que o ataque não foi à Azalea, mas sim aos rappers que não compõe suas próprias músicas, e aproveitou para elogiar Iggy por escrever suas próprias músicas dizendo que ela merecia todo o sucesso que estava recebendo.
Ainda em 2014, essa situação se tornou mais grave quando o rapper Eminem lançou a música “Vegas” onde defendeu que Iggy Azalea deveria ser estuprada. A rapper não arregou e disse, em seu Twitter, que era nojento ver caras mais velhos fazendo esse tipo de agressão contra mulheres, especialmente mulheres mais jovens.
Então foi a vez do rapper Q-Tip explicar para Iggy Azalea, em seu Twitter, qual a importância de se conhecer a história do Hip Hop. Em uma série de mais de 20 tweets, o rapper contou toda a história do movimento Hip Hop destacando o quanto era um movimento importante para os bairros negros dos EUA. Ele ainda diz: “Eu sei que o Hip Hop tocou o seu espírito. Nós (do Hip Hop) te magnetizamos. Porque nós temos um brilho e isso é o que o brilho faz. Agora você está alcançando seus sonhos mas você deve levar em consideração a história por detrás da bandeiro do Hip Hop, como eu disse anteriormente. (…) Uma coisa que o Hip Hop nunca deixará de ser é um movimento sócio-político.” Então Q-Tip fala da herança da escravidão americana na cultura e o quanto ela é perversa e o quanto, ao mesmo tempo, existem privilégios em se ter a pele branca. Ele acaba reconhecendo que Iggy Azalea é uma artista do Hip Hop e que essa sua fala toda não é uma forma de desprezar seu trabalho, mas de conscientizar sobre a história e a importância do movimento especialmente para as pessoas que são negras e moram na periferia. Se essa longa (mas de alta qualidade!) série de tweets não foi um descrédito, ao mesmo tempo Q-Tip reconhece que Iggy Azalea precisava se informar melhor.
Em 2015 foi a vez de Erikah Badu, na premiação Soul Train Awards dizer de forma bem objetiva para Iggy Azalea: “O que você faz definitivamente não é rap!”. Iggy respondeu dizendo que é uma vergonha ainda ser desacreditada por um trabalho que fez no ano anterior. Aí Badu aproveitou para pedir desculpas de uma forma irônica dizendo em um vídeo postado no Twitter: “Eu quero fazer isso pelas minhas filhas. Eu quero pedir desculpas à Iggy Azalea. Ela é uma de suas artistas preferidas e elas a escutam o tempo todo. Então isso é por elas. Mas quando eu penso mais a fundo sobre isso, se vocês [filhas] amam tanto ela, porque não vão ficar com ela então?”.
Mas foi agora em 2016 que Iggy Azalea recebeu seu maior ataque pela música “White Privilege 2”, pela dupla Macklemore e Ryan Lewis, que agora integra o recém-lançado álbum “This Unrully Mess I’ve made” (ouça o álbum completo aqui no ZonaSuburbana). A letra diz: “Você explorou e roubou a música, o momento, a magia, a paixão, a moda. Você brinca com uma cultura que nunca foi sua para que você a melhorasse. Você é uma Milley [Cyrus], um Elvis [Presley], uma Iggy Azalea. Falso e tão plástico, você roubou a magia. Você roubou a batida e o sotaque com quue faz o rap. (…) Todo o dinheiro que você fez, toda a versão pop aguada da cultura [Hip Hop].” Em outros momentos, a música fala sobre o racismo que ainda existe nos EUA hoje, sobre a violência policial contra os negros e do quanto é importante que as pessoas brancas, que tem privilégios material e simbólicos, lutem ativamente contra tudo isso mas de uma forma sincera, não como forma de ganhar fama ou status.
A primeira reação de Iggy foi ficar muito irritada, postando em seu Twitter que se o Macklemore achava tudo isso dela, que ele deveria ter vindo falar diretamente com ela e não fingir que era seu amigo e tirar fotos com ela para postar nas redes sociais. E aí começou toda uma discussão entre Azalea e o rapper do Brooklyn Talib Kweli Greene. Talib disse que o fato de Iggy achar que a música era um ataque pessoal a ela provava que os privilégios brancos existiam, já que sendo branca ela não se deu conta de todo o resto da música que falava sobre questões raciais delicadas. Iggy disse que entendeu o conteúdo da letra, mas que não gostou da postura de Mackclemore, o que não significa que ela não concorde com tudo o que ele falou na letra. Em uma entrevista recente, Iggy Azalea disse que que concordava com tudo o que Macklemore falou, exceto a parte que fez referência a ela. A discussão com Talib continuou, com o rapper afirmando que Azalea estava sendo racista na medida em que se importava mais consigo mesma do que com as vidas negras em risco.
3. As explicações de Iggy Azalea
Voltando para o começo dessa matéria, Iggy deu uma entrevista para a revista Elle, do Canadá, e se explicou em relação a todas as acusações que sofreu. Veja a tradução do que Iggy Azalea disse: “Muita gente acha que eu não me importo com o rap e com a comunidade, mas eu me importo totalmente, desde o centro do meu ser.É por isso que o incidente com o Q-Tip me irritou tanto: porquê você acha que eu preciso de uma lição de história? Porque se eu soubesse eu com certeza eu não iria misturar pop e rap? Ou eu não rimaria com um sotaque americano se eu soubesse disso? Eu só tenho uma perspectiva diferente sobre o rap. Eu adoro aprender sobre o Hip Hop, eu amo ler sobre isso e realmente adoro debater com outras pessoas sobre isso. É uma cultura negra negra e uma música negra, então trata-se de uma conversa racial (…). E isso tudo ficou muito difícil em 2015. Os EUA tem uma história tão complicada envolvendo o tema racial que eu não percebia o quanto o racismo ainda era forte no país e como ele ainda machucava as pessoas até eu me mudar para cá e ver por mim mesma. Eu acho que a maior lição que eu aprendi disso tudo é que as pessoas vão sempre dizer o que elas acham que tem que dizer. E é realmente difícil não se envolver com isso e não ficar sensível sobre as opiniões das outras pessoas, especialmente quando você sente que está errada. Mas eu acho que gastei muita energia ano passado tentando explicar o meu lado da história porque eu pensei que se as pessoas entendessem o meu lado, elas poderiam concordar comigo. Mas é fato que algumas pessoas nunca vão concordar conosco, e a vida é assim mesma. (…) Eu acabei virando uma coisa de quem todo mundo ria e escrevia coisas terríveis sobre – Eu acho que as pessoas esqueceram que eu era uma pessoa”.
Bom, a coisa é bastante complexa. Por um lado, é verdade que existe uma diferença grande entre a produção musical de Iggy Azalea e outros rappers que encarnaram e/ou que hoje encarnam a mensagem original do rap de ser contra a luta anti-racista e pelos direitos da população negra, especialmente dos bairros pobres, ainda que isso não signifique que a rapper não ache essas lutas importantes. E também podemos pensar no quanto o dinheiro corrompeu e comprou muitos rappers, desvirtuando-os do Hip Hop enquanto movimento sócio-político, como Lupe Fiasco adora dizer e que aqui foi relativamente abordado pelas falas de Q-Tip. Por outro lado, Iggy Azalea não ser considerada rapper apenas por ser branca (e não por conta de suas letras e por seus posicionamentos) pode ser complicado. E, especialmente pelo incidente com o Eminem, fica a dúvida de até que ponto Iggy não foi tomada como bode expiatório por ser mulher e por ser estrangeira. Enfim, é uma situação bastante complexa e que, apesar das explicações da rapper, pelo jeito está longe de ter um final. O que podemos esperar é que, com ou sem a contribuição política da rapper, as sociedades caminhem no sentido de criarem verdadeiras igualdades raciais, de gênero, de orientação sexual, de orientação religiosa e de classe econômica. Nós do ZonaSuburbana apoiamos essa ideia!
E você, de que lado está dessa história? Iggy Azalea realmente fez uma apropriação cultural indevida? Ou a explicação dela foi convincente? Escreva para nós nos comentários!