Poucos grupos ou artistas musicais conseguem compor músicas com uma tamanha intensidade que marque a nossa memória com letras, melodias ou ritmos agradáveis. No caso do grupo de rap Facção Central a sensação é outra, a mensagem também.
As músicas não são para ouvir em uma rádio, no meio de uma conversa de bar, ocupado com uma leitura ou assistindo uma tevê; a música do Facção requer atenção, abrir a mente e imersão total na sua mensagem. Cada verso, rima, parágrafo possui uma intenção significativa: ser uma ferramenta para a luta.
O personagem central é a periferia, o inimigo é o sistema e os meios são a educação, através de uma cada vez maior inserção das pessoas mais exploradas (a periferia) dentro dos espaços que, em sua maioria, são ocupados pelas classes mais privilegiadas em um sistema injusto e desigual. Facção é São Paulo, Brasil, esquina, rua, sinaleiro, favela. É o cotidiano, a violência, a pobreza, as drogas e a falta de oportunidades. A realidade é desvelada sem cinismo, hipocrisia ou artifícios musicais que façam da música uma “arte” isolada, em si; pelo contrário, a música é apenas um meio, não é técnica, rimas elaboradas ou melodias brilhantes, a mensagem a todo instante se coloca como o fundamental.
Dito tudo isso, queremos destacar a importância de um grupo marginal dentro do cenário musical brasileiro, que, apesar de ser um dos grupos de Rap nacional mais conhecidos, ainda causa “estranhamento” e “repulsa” para aqueles que se atentam a ouvir algum álbum seu ou algumas de suas músicas. Por isso, escolho aqui uma música que esteve inserida dentro desse contexto, a música “Isso Aqui é Uma Guerra”, que teve o seu clipe censurado e sua mensagem debatida em rede nacional (A 1ª faixa do disco “A Marcha Fúnebre Prossegue”, 2001, mostra esse episódio), sendo colocada como apologética ao crime, violência, entre outras formas de crime ilícito.
Assista o clipe censurado da música “Isso Aqui é Uma Guerra”:
A música “Isso Aqui é Uma Guerra” foi lançada em 1999 no álbum “Versos Sangrentos”. Dividida em duas partes, uma cantada por Dum Dum e a outra por Eduardo, a música fala sobre a guerra que existe no Brasil, no dia a dia, e que ainda permanece oculta pelos meios de comunicação, a intelectualidade, representações cotidianas, correntes de opiniões, entre outros mecanismos e aparatos institucionais que reproduzem a sociedade e as relações sociais vigentes. Partindo da perspectiva daqueles (as) que não possuem alternativas na vida, ou seja, não possuem o mínimo para sobreviverem nessa sociedade capitalista, a música mostra que a solução só pode ser encontrada no assalto, roubo ou furto.
Estamos aqui vendo que diante do discurso hegemônico que coloca “bandido bom, é bandido morto”, “pena de morte é a solução”, “a pessoa é culpada pela sua situação”, “precisamos de mais polícia”, há uma inversão do que seria o verdadeiro problema da guerra que vivenciamos cotidianamente. O culpado não é o indivíduo X ou Y, o ladrão que furtou o celular da burguesa ou assaltou o banco para matar o gerente, o culpado é o sistema capitalista. A maioria dos indivíduos não possui condições de terem uma educação (o livro não resolve), nem emprego (sem emprego quando um prego de Audi passar) ou bens básicos para uma pessoa viver (se eu quero roupa, comida alguém tem que sangrar).
Não resta saída para a maioria dessas pessoas, que convivem com a sua família passando fome, não possuem bens luxuosos que outros possuem ou veem pessoas próximas sendo mortas, espancadas pela polícia comumente e a justiça servindo como um instrumento de punição ao invés de proteção. O mais natural é que em algum momento essas pessoas reajam, assumam toda violência perpetrada pela vida que levam e simplesmente procurem meios de sobreviverem diante dessa situação.
Assim, a solução encontrada para esses indivíduos que cometem atos criminosos não é uma escolha. Na verdade, esses indivíduos são estimulados pelas condições sociais, uma construção determinada pelo sistema capitalista, na forma como ele funciona e foi construído. Infelizmente, as soluções continuam a serem falhas, nas bolsas esmolas que o governo subsidia, construção de presídios que ao invés de “ressocializar”, transformam indivíduos em novos “monstros” piores do que eram antes, e policiais que são treinados para matar. Esse é um ciclo que se perpetua diariamente em nosso Brasil, uma frequente guerra, que parece não ter fim enquanto as pessoas realmente não transformarem as circunstâncias que perpetuam essa eterna lei que transforma seres humanos carentes, pobres e explorados, em máquinas de homicídio e horror. Quem é o culpado disso tudo? Somos todos nós que culpamos os “bandidos”, enquanto os mocinhos continuam a solta.
Texto: Felipe Andrade