a.in.da (adv.): 1. Até agora; até o presente. 2. Até então; até aquele tempo. Assim nos explica Aurélio, na sétima edição do seu dicionário. Mas certo que ele não subiu em uma favela recentemente. De 2019 pra cá, surge nas comunidades cariocas um novo significado para a palavra “ainda”, subvertendo o sentido da língua portuguesa. E é MC Cabelinho que tem a função de disseminar esse conhecimento, em seu primeiro álbum de mesmo título, que chega em todas as plataformas digitais a partir do dia 27 de julho.
O funkeiro explica: “por exemplo, eu pergunto para você: ‘vai pro baile hoje?’, você me responde: ‘ainda?’. Esse ‘ainda’ vem da ideia de ‘ainda pergunta? É claro que eu vou!’”.
E esse jogo de palavras resume bem o primeiro trabalho do artista, em que o garoto de 24 anos se apresenta como um maestro da favela. Com a ajuda dos DJs Juninho e Portugal, o cantor transformou em música todos os sons do lugar onde cresceu, o PPG – conjunto das comunidades Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, no Rio de Janeiro. As sirenes da polícia, o impacto do tiro, o piano e o coro de igreja – tudo isso se tornou uma mistura de trap, rap e funk, que faz MC Cabelinho retomar as origens do gênero e chegar na sonoridade atual como quem respira.
O disco traz três tipos de ponto de vista: as crônicas da vida urbana, as love songs e as músicas de superação. O primeiro conjunto já ganhou uma palhinha com a canção “Maré”, lançada no mês passado. Mas, no álbum, a literatura realista do MC Cabelinho tem o seu ápice já na faixa de abertura, “Reflexo” – uma parceria com o rapper militante BK. A música “Verdade de Perto”, gravada com o seu ídolo MC Orelha, também merece destaque, pois relata a união do PPG quando as ameaças externas se aproximam e traz um coral ao fundo que dá a impressão de que a comunidade canta junto com os artistas.
A força das palavras do MC Cabelinho continua nas outras partes do álbum, mas tem outro objetivo. “Beco do Pistão” e “Em Busca do Prazer” retratam a vida de solteiro na comunidade, do homem do morro que pede até moto táxi para buscar a mulher e levá-la para a sua casa. Já “Essa Noite” e “Recaídas” são músicas com batidas mais ligadas ao pop, com uma temática mais romântica e participações de peso – do cantor Gaab e da cantora Budah, respectivamente.
A terceira parte é composta pelas faixas “Favela Venceu”, “Tem Bala Sou Eu” e “Agradecer”, esta última fechando o álbum. Com arranjos feitos no teclado, MC Cabelinho canta a força e a delicadeza que é viver dentro da favela, abrindo espaço para gerações futuras sonharem o mesmo sonho que o norteia.
“Ainda” é um disco de crônicas que documenta a existência do corpo negro em um país bastante violento e opressor, e leva a mensagem da favela para o asfalto, que ainda não saiu de casa devido à pandemia do novo coronavírus.