Michael Jordan é a figura central do filme “Air”, cujo enredo conta a virada da Nike ao conseguir contratar aquele que se tornaria o maior jogador de basquete de todos os tempos. Quem interpreta o então jovem atleta é Damian Delano Young. Mas seu rosto não aparece uma vez sequer nos 112 minutos da produção.
O máximo que é revelado do personagem central do filme são imagens do ator de costas, nas reuniões com executivos da adidas, da Converse e da Nike, que disputavam a contratação do “rookie”, como são chamados os novatos que iniciam a carreira na NBA.
A abordagem do filme não é o esporte em si. Em 1984, quando se passa o filme, Jordan ainda não era Jordan, o atleta que venceria as seis finais da NBA que disputou, MVP de todas as decisões. Ele ainda não havia começado a contabilizar os 32.292 pontos de sua trajetória, marca que o coloca como o quinto maior cestinha da história.
Quem quiser ver o jogador em ação ganha mais em assistir “The Last Dance”, documentário sobre o Chicago Bulls na era Jordan, disponível na Netflix. Em “Air”, que estreou nos cinemas no último dia 6 de abril, Jordan é um produto, um jogador que a Nike transformou em segunda marca.
O Air Jordan foi criado especialmente para ele. O protótipo do primeiro tênis tinha em destaque o vermelho e o preto, cores do Chicago Bulls. O logo da linha é uma interpretação de uma foto do atleta em um de seus inacreditáveis pulos. Seu impulso chegou a atingir 1 metro e 22 centímetros, no concurso de enterradas Slam Dunk Contest, em 1988.
A logomarca pode ser entendida como uma metáfora do salto que o jogador proporcionou à Nike, então uma potência em calçados para “jogging”, nome popular da corrida nos anos 1980, mas que ficava longe da Converse e da adidas no basquete.
Quem conseguiu convencer Jordan a assinar contrato com a Nike foi um executivo branco, de meia idade, sedentário. Sonny Vaccaro, interpretado por um Matt Damon de barriga saliente, era um obcecado pelo esporte, um fã de basquete que ficava assistindo cenas e mais cenas de jogos em fitas VHS, em uma época em que mal não havia o conceito de data no marketing.
Vaccaro estava convencido de que Jordan seria grande, maior que Magic Johnson, maior que Larry Bird. Mas a Nike não era suficientemente sedutora na época. Os atletas, assim como os rappers, gostavam da adidas. E a Converse era quem tinha os principais contratos com os jogadores.
O executivo precisou convencer Phil Knight, o mitológico fundador da Nike, com Ben Affleck muito bem caracterizado, a colocar a maior quantia já destinada pela marca ao basquete. Depois precisou ganhar a confiança de Deloris Jordan, a mãe do futuro astro, papel de Viola Davis.
Deu certo. O tênis Air Jordan se tornou um sucesso instantâneo de vendas. O planejamento era faturar o equivalente hoje a 15 milhões de reais nos primeiros três anos. Só no primeiro ano a produção alcançou a cifra de 638 milhões de reais. E a Nike se consolidou no basquete.
Ben Affleck, que também dirige o filme, contou no programa CBS Sunday Morning porque não mostrou o rosto da figura central da história. “Este é um filme sobre um ícone, sobre alguém que é tão significativo que no minuto em que eu mostro alguém e digo: ‘Ei, esse é Michael Jordan’, você simplesmente diz: ‘Não, não é.”
A atmosfera dos anos 1980 está toda no filme, do figurino com paletós folgados do começo da era yuppie às músicas de Dire Straits, Bruce Springsteen e Cindy Lauper, de referências ao governo de Ronald Reagan às mesas dos escritórios com Macintoshes e cubos mágicos.
No fim, “Air” é mais um filme que tenta vender o sonho americano do sucesso. Phil Knight, retratado em todo o filme como arrogante e acovardado frente aos investidores, se redime no fim. A boa narrativa faz o espectador sair do cinema com vontade de tentar alguns arremessos. Ou de comprar um Air Jordan na loja mais próxima.