“A história única cria estereótipos, e o problema com estereótipos não é que sejam mentiras, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história única tornar-se a única história”. Foi assim, para falar da importância de ver-se representado, que a novelista nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie fez seu debut no TED Talks, uma organização sem fins lucrativos que abraça o lema ‘ideias que merecem ser compartilhadas, lá em 2009.
Você deve estar se perguntando como este fato conecta-se com um portal de ressonância da cultura de rua, por si só compreendida como criadora de sua própria representatividade? Não seria o rap em si uma ruptura? Talvez, mas não o é quando alimenta a história única. Que história o rap conta? Falo da ideia estereotipada do rap, aquilo que vem a mente quando se pronuncia o nome. Se rap é compromisso, também é complexidade.
Deveria parecer óbvia a diversidade e extensão do Rap, ao menos diante da abertura cultural e de uma fase tão well-produced do gênero. Mas não foi com esses mesmo olhos (e ouvidos) que alguns receberam o lançamento do álbum “Boogie Naipe”, por Mano Brown, na última sexta-feira (9). Boa parte da crítica fio direcionada a uma suposta mudança de estilo do rapper que dá cara e voz a um dos grupos mais importantes da cena paulista, o Racionais. Isto por que o álbum recebe doses de influência do Funk Clássico e R&B, além de contar a tutela de Leon Ware, parceiro de Marvin Gaye, e de participações especiais como Seu Jorge, Max de Castro, Wilson Simoninha, Heldon e outros, como já noticiado aqui neste canal (clique aqui para acessar a matéria).
Por que será que o Rap, o Hip Hop e toda a relevância da cultura de rua continuam subjugadas à essa narrativa única que só decodifica seu lado historicamente marginalizado? Ao que Adichie responde: “É assim que você cria uma história única. Mostre às pessoas uma única coisa, como sendo uma coisa única, por diversas vezes, é será isto o que a coisa se tornará”, analisa. Quem ja foi confrontado com a afirmação de que aquele(a) que escuta Rap é bandido, marginal, vagabundo e por aí vai (ladeira abaixo), sabe bem do que estou falando.
O mesmo acontece quando nossas mulheres incríveis tornam-se parte ativa e estruturante desta cultura, quantas histórias únicas tem elas que vencer? Está aí o feminismo de Karol Conka, Flora Mattos, Tássia Reis, Lívia Cruz e tantas tantas outras descendo pela garganta apertada do conservadorismo. Isso sem falar de Rico Dalasam e Mc Luana Hansen, para elencar apenas dois, que levantam a bandeira da ruptura de gênero no rap.
Comece a história contando que o rap emerge nas periferias e não destacando seu poder criativo, estará criado o esteriótipo, a história única. Diga que as letras falam de crimes e não de militância e resistência, e continuaremos alimentando a mesma narrativa incompleta, portanto desonesta, do que é este movimento.
Assista o vídeo abaixo: