Não são inéditos os casos de grandes artistas que alcançam o auge de suas carreiras mas que, ao mesmo tempo, reclamam de suas vidas pessoais (um ótimo exemplo é o single “Lucky” de Britney Spears). O que parece inédito é isso acontecer dentro do Hip Hop onde temos escutado cada vez mais sobre casos de suicídio, depressão, surtos psicóticos e ansiedade.
O que leva a isso? E como você (MC, DJ ou trabalhador dentro do Hip Hop) pode se prevenir contra passar por essas mesmas experiências negativas ao longo de sua jornada de trabalho?
Dois personagens, apesar de nascerem em um tempo e espaço diferentes, parecem se complementar e nos ajudam a pensar sobre o assunto: Thanos, o vilão louco da Marvel, e Bow Wow (que entre outros hits, lançou “Like You” com Ciara nos anos 2000).Thanos, o “titã louco” da Marvel será o novo vilão do filme “Os Vingadores: Guerra Infinita”, com lançamento previsto para o dia 26 de abril. Apesar de aparecer apenas recentemente nas telas, sua primeira aparição foi em 1973 no quadrinho #55 do Homem de Ferro.
Mas o quadrinho que gostaria de relembrar aqui é o “Thanos: Em Busca de Poder”, o prólogo da saga “Trilogia do Infinito” lançada no Brasil em 1991 (ALERTA DE SPOILERS!).
Thanos é um titã que, morto em batalha, foi ressuscitado pela Morte (sim, a própria anjo da morte), passando a trabalhar como seu servo, por gratidão. Porém, com o tempo, Thanos se apaixona pela Morte e trabalha também em busca de conquistar o seu amor.
O “Thanos: Em Busca de Poder” começa com o titã refletindo sobre sua vida no Poço do Infinito. Logo, é chamado pela Morte e se oferece para juntar as Jóias do Infinito. Dizendo que é para oferecê-las a sua amada, na verdade o objetivo do vilão é juntá-las para si, tornando-se tão forte quanto ela para que assim conquiste seu amor.
Após diversas lutas e estratagemas, Thanos conquista todas as Jóias: do Tempo, do Espaço, da Mente, do Poder, do Espírito e da Realidade, unindo todas em sua Manopla do Infinito.
Ao final do quadrinho, Thanos revela suas verdadeiras intenções e diz que agora, enquanto ser mais poderoso do universo, deseja um trono ao lado da Morte e ser seu marido. Ela responde (nunca diretamente, sempre através de seus vassalos) ao pedido do Titã e cede a ele um trono ao seu lado, mas se nega a ser sua esposa: ela não o ama, ela passa a temê-lo e se afasta. Na última página do quadrinho, o vilão diz talvez uma das frases mais profundas do universo Marvel:
“Eu estabeleci uma busca fora do alcance de qualquer ser além de mim. E tive sucesso. Arranquei as rédeas do poder de seres supremos. Nenhuma criatura racional jamais sonhou com o que concretizei. Como poderia imaginar que minha transformação em Deus seria uma vitória tão vazia?”.
Voltando ao rap: Bow Wow postou em seu Twitter no dia 1 de abril a palavra “EDICIUS” em letras garrafais – trata-se da palavra “SUICIDE” (suicídio) ao contrário. Questionado sobre isso, Bow Wow fez outro tweet no dia seguinte explicando:
“Eu decidi chamar meu álbum de EDICIUS, que significa SUICIDE ao contrário… O significado disso é: se trazer de volta de algo. O nome representa a ação de se trazer de volta de algo muito além da morte: eu abandonei meu antigo eu e despertei como o novo eu”.
Em uma entrevista exclusiva na última quinta-feira (12) para a rádio Power 105.1 o MC falou abertamente sobre o assunto dizendo que já considerou diversas vezes o suicídio. Disse que comentou com seus amigos sobre isso e que simplesmente não queria mais fazer parte deste mundo, o que era resultado de seu sucesso profissional: trabalhando nas grandes mídias desde os 6 anos, Bow Wow disse que não sobraram muitas coisas novas para fazer e para conquistar e que em toda essa jornada, acabou criando tensões entre ele e suas irmãs, assim como entre ele, seu pai e sua avó.
Ou seja: apesar de ter conquistado dinheiro, fama, sucesso profissional e ser um MC inspirador para muitos artistas iniciantes, ele próprio, assim como Thanos nos quadrinhos, enxerga sua vitória como algo vazio. E é a esse vazio que Bow Wow culpa por seus pensamentos suicidas.
Com certeza o suicídio possui diversos fatores decisivos, incluindo componentes genéticos e sociais. Mas nesse caso, fica explícita a relação entre o fato e a história de vida profissional de Bow Wow. E é algo que realmente tem aparecido cada vez mais na cena através de depressões crônicas (como Kid Cudi), surtos por má alimentação e estresse no trabalho (como Kany West) e até mesmo o consumo de drogas pesadas levando a óbito (como Lil Peep).
Além de vivermos em uma sociedade maníaco-depressiva que faz com que as pessoas se sintam ora totalmente sem esperanças no futuro, ora totalmente elétricas querendo valorizar cada segundo da vida (leia mais AQUI), um dos elementos presentes tanto na história de Thanos quanto na caminhada de Bow Wow é o fato de ambos terem perdido de vista seus objetivos pessoais que, mesmo sem terem refletido sobre, são o que lá no fundo os motivam em suas conquistas.
É claro que, quando você se aprimora em sua linha de trabalho, você passa a se motivar pelas próprias conquistas: aumentar sua renda mensal, fazer mais vendas, aumentar seus views no Facebook, etc. Mas como não perder o que realmente te importa de vista?
1) Antes de tudo, em muitas vezes vale a pena conversar com um psicólogo. Ao contrário do que se diz, psicólogo não cuida só de “doidos”. Ele é o profissional que auxilia quaisquer pessoas a lidarem com os estresses do cotidiano e também guia os pacientes em seus processos de autodescoberta. Nem sempre se tem dinheiro para pagar os serviços desse profissional, mas existem opções gratuitas ou a preços acessíveis: não apenas no serviço público de saúde, mas também em muitas faculdades de psicologia onde parte do estágio obrigatório dos alunos acontece em atendimentos gratuitos à população.
2) Descubra o que realmente te move. Em muitas situações quem trabalha no rap normalmente foca apenas em fazer lançamentos o mais rápido possível, tendo pouca atenção para suas motivações e seus objetivos. Existem muitas maneiras de encontrar o que realmente te motiva: pense em situações onde você se sentiu ótimo após realizar um trabalho (mesmo fora do rap) – o que essas situações tem em comum? O que (além de dinheiro) você ganhou com esses trabalhos? Na dúvida, sempre pergunte aos seus amigos o que eles enxergam em você a esse respeito. Inclusive, vale a pena anotar essas motivações em algum lugar (um pedaço de papel, um caderno, um arquivo no Word, etc) para que você possa ler de tempos em tempos.
3) A partir dessas motivações, quais são seus objetivos no rap? Vamos supor que você descobriu que uma de suas motivações é “mudar a percepção das pessoas sobre a realidade delas”. Já ter identificado isso é ótimo! Mas para transformar isso em objetivos vale a pena tentar especificar ainda mais essa motivação: você quer mudar quais percepções das pessoas (sobre igualdade de gênero, sobre conservadorismo no Brasil, sobre a realidade das pessoas negras no país)? Quais pessoas, especificamente, você quer mudar a percepção? Vamos supor que você queira falar sobre igualdade de gênero: você quer destinar sua mensagem para as mulheres (fortalecendo-as) ou para os homens (questionando seus comportamentos)? E por fim: qual é a realidade que você quer falar sobre (você pode focar em diversas realidades que são diferentes, mas que se complementam)? Tendo objetivos cada vez mais específicos, fica mais fácil perceber se você os está atingindo ou não.
4) Seu trabalho no rap te permite alcançar esses objetivos? Vale a pena de tempos em tempos (a cada 3 meses pode ser um intervale interessante) fazer uma avaliação pessoal do que você realmente está conseguindo a partir do seu trabalho. Seus objetivos (não só financeiros, mas também pessoais) estão sendo alcançados? Olhe para o seu redor e pense friamente: o que o rap tem te proporcionado?
Nem sempre é simples lidar com sua vida profissional, mas lembre-se sempre que você não precisa passar por isso sozinho! Procure profissionais, amigos e/ou colegas para que você possa falar sobre isso de forma aberta e construtiva!