Danilo Cruz, um dos organizadores do site Oganpazan, fala sobre a cena rap nordestina
A seção Zona Sem Conforto tem o objetivo de abordar temas sérios – que nem sempre rendem muitos likes – e entrevistar pessoas que têm algo a dizer sobre assuntos que grande parte do hip hop gostaria de deixar no gelo. Nosso entrevistado de hoje é Danilo Cruz, ele é professor de filosofia e um dos editores do site Oganpazan, site que aborda a cultura urbana e a cena musical que não são destacadas no eixo Rio/SP. Cruz é responsável por entrevistas, reportagens e notas sobre o rap baiano e o cenário nordestino.
ZSC: Colocar em destaque a cena rap nordestina numa cultura que privilegia os lançamentos internacionais e o hip hop do eixo Rio/SP. Qual o tamanho da dificuldade dessa missão? Onde e quem cria essas dificuldades a serem enfrentadas?
Danilo Cruz: Lembro-me de ouvir Da Guedes em 1999 e adorar o sotaque, as referências a locais que não conhecia. Ouvir música é sempre entrar em contato com diferenças e descobrir novos modos de ver e sentir. Acredito que qualquer admirador do rap que entrar em contato com artistas que estão fora do eixo Rio-São Paulo, e se permitir escutar o que está sendo dito e sentir as singularidades do local de onde vem aquilo, ele vai sacar a mensagem e a diferença na construção poética e musical daquilo. Mas essa é uma questão pra qualquer estilo musical. Quantos rockers ouvem muita música internacional e não sacam o rock nacional – muito bom – que é feito hoje no nosso país.
A dificuldade é ao que me parece, ter uma mídia que saia desse eixo, fazendo do Rio-São Paulo como que embaixadas que melhor traduzem a cultura rap americana. Ao mesmo tempo, que o público que se arroga ser crítico e bem informado, procure ouvir a música rap feita em outros lugares, o grafite de sua cidade. Porque é bom lembrar que o moleque aqui em Salvador conhece primeiro Emicida, e não sabe da existência do DaGanja, por exemplo. O que é normal, mas que não precisa ser sempre assim.
O que me parece criar maior dificuldade é a centralização midiática que em nosso país é obviamente o eixo supracitado. Em todos os campos culturais, esse eixo possui o privilégio do seu desenvolvimento econômico. O que nos impede de apontar um ou alguns responsáveis. Mesmo em tempo de internet e informação livre, os olhos se voltam para o que aí é produzido. Então, penso que deve haver um esforço dos diversos atores, produtores de mídia, artistas e público, para captarem o máximo de informação das mais diversas direções geográfica deste nosso continente Brasil.
Ouça a seleção de Rap baiano do Oganpazan:
ZSC: Qual sua rotina de trabalho? Recebe muito material, pesquisa? Como faz a seleção do que será publicado?
Danilo Cruz: Eu sou professor de filosofia na rede municipal de Salvador. E obviamente tenho uma rotina de trabalho exaustiva, preparar aula, corrigir atividades e provas. O que me limita muito na capacidade de escutar tudo que quero. Esse é o meu trabalho e o que me mantém. Concomitantemente a isso, trabalho no site Oganpazan, onde sou um dos criadores e editores do site. Então é ir pro trampo ouvindo música e voltar pra escutar mais e escrever. Preparar almoço ouvindo música, arrumar a casa ouvindo música e correr pra escrever…
Tenho recebido muito material da minha cidade, o que me deixa em falta com muitos nomes sobre os quais gostaria de escrever, mas por falta de tempo, não consigo. Mas sempre pesquisei muito sobre música, em todos os estilos. O nosso site não é especializado em rap, é sobre música e suas diversas expressões e formatos: quadrinhos, filmes, shows, discos, livros.
Como sempre gostei de rap, por um acaso, no ano 2014, comecei uma pesquisa sobre o nosso rap baiano, para trabalhar em sala de aula. E entrei em contato com a música de Dimak e dos Os Agentes para trabalhos com minhas turmas. Com o começo do site em 2015, por acaso estavam lançando o documentário sobre a Versu2 e logo depois Alvaro Réu lançou o seu disco Vivendo de Música (2015). Escrevi e continuei a pesquisa. A seleção é muito simples, se eu gostar escrevo.
ZSC: Acha que o intercâmbio entre artistas nacionais precisa seguir na contramão, com mais artistas nordestinos mostrando seus sons em shows no Sudeste?
Danilo Cruz: Eu tenho certeza que enquanto o nordeste não firmar um cenário forte, nunca haverá condições de disputar mercado com os artistas do sudeste. E a solução será sempre ir morar no eixo pra poder trabalhar. Foi assim com Caetano Veloso e com Pitty, e se a mira for lá, esse formato de produção cultural se eternizará. Apenas com um mercado interno forte, onde a profissionalização da cena cresça e seus atores possam viver do que fazem, existirá condições de evolução. Salvador e o Nordeste inteiro hoje vive seu melhor momento na cena rap, mas é fato que ainda existe uma enorme necessidade de profissionalização.
Qualidade e gente trabalhando a vera não falta, mas o mercado interno ainda não os mantêm da forma devida. O intercâmbio aos poucos tem sido feito, OQuadro, a banca do UGangue e Cintia Savoli são três nomes baianos que tem feito shows com certa regularidade no sudeste.
Mas a discussão não me parece ser essa, e a contramão me parece ser ao contrário, não olhar mais para o sudeste como o lugar onde se vai estourar. Olhar primeiro pra sua cidade e redondezas, a Bahia é maior que muitos países europeus por exemplo e tem hip hop em diversas cidades. A exploração desse nicho de mercado já seria de excelente tamanho. Um exemplo disso que estou falando, são os artistas do forró que vivem do nordeste. Guardadas as devidas proporções, é sim possível que os artistas do rap nordeste vivam muito bem produzindo sua arte, se conseguirem criar um mercado interno.
ZSC: Há muita repetição em nossa cena, consegue identificar traços de originalidade no rap nordestino?
Danilo Cruz: Eu parei de escutar rap durante uns bons três anos exatamente por pensar que tudo que eu ouvia era igual. Sabia que as letras, os samplers, eram diferentes entre si, mas era tudo muito parecido no final das contas. O que obviamente foi um erro de avaliação e graças a isso perdi um momento dos mais prolíficos e importantes do rap nacional e do da minha terra.
Essa questão da repetição é complicada, o rap é uma arte que possui a repetição como sua própria essência. Repetir certas ideias, sonoridades, é parte essencial da construção musical do rap desde sua criação nos E.U.A. Pois a repetição é cortada pela originalidade da aplicação dessas mesma ideias e musicalidade. O rap é maquinico, mas não mecanicista. O Alex, do NSC, rimando sobre o vale do Reginaldo é extremamente diferente de Eduardo, por exemplo, porque a linguagem é a mesma, mas a língua difere, a sonoridade é outra, pois é outro ambiente e obvio que o mano traz outras referências.
Certamente possuímos muitos rappers que acreditam que repetir Facção Central, Racionais, MV Bill, os fará alcançar o público desses. Mas, faz um tempo que muitos outros entenderam que precisam utilizar suas próprias referências culturais como base para construir uma sonoridade própria, desde que a Versu2 utilizou samplers da Ivete Sangalo em sua música, isso parece que ficou evidente, pra dar um exemplo.
Opanijé, OQuadro, Osahar, Vandal, são trabalhos artísticos que não possuem nenhum equivalente musical e referente no nosso país. E muitos outros que ainda estão por assim dizer, repetindo o esquema tradicional do rap, fazem passar em suas músicas outras singularidades muito salientadas: Chave Mestra (SE), Avicena (SE), Darthayan (SE), D.D.H, Pertinaz (PB), F.M.E. , UGangue, Contenção 33, Xarope Mc & Banda Laroyé, Nova Era.
Num encontro geracional, o rap nacional se equivale e se diferencia com a mesma qualidade. É impossível contestar Emicida e Criolo, por exemplo, por suas conquistas estéticas para o rap nacional. Mas, todos os outros grandes nomes dessa geração se equivalem esteticamente.
Que se escute o Beirando Teto e me digam quem é o Cone Crew, se for pra comparar qualidade e originalidade. Não se trata de desmerecer ou inferiorizar um ou outro, mas apenas equivaler, ou mostrar as coisas em outra perspectiva. Aliás, seria massa uma música dos dois.
ZSC: Recentemente você protestou contra a falta de artistas nordestinos num grande festival de rap que vai rolar. O que fazer para mudar essa realidade?
Danilo Cruz: Tendo um pouco de conhecimento do rap que é feito aí no Eixo, sendo um fã dessa cultura pioneira, e estando sempre na escuta e na espreita do que esta sendo feito no Nordeste, e agora começando a ouvir o rap nortista, tive um plano brilhante. Ao invés da discussão estúpida do que é verdadeiro ou do que é modinha, que tal pensarmos em vivermos disso que amamos. Dado que temos uma produção gigante, que tal começarmos a pensar na possibilidade de criarmos um circuito e um intercâmbio entre os artistas nordestinos do rap.
Não acredito que algum produtor leve grupos daqui de Salvador ou de Fortaleza para tocar num festival de rap nacional. Então talvez o primeiro passo seja pensarmos qual o lugar do rap nordestino dentro do país, e mais ainda, o que é o rap nordestino, será que realmente conhecemos? Eu ouço tudo que me mandam e que encontro, e posso dizer que estou bem inteirado do que se faz na Bahia, e começando a alcançar todos os outros estados da região. Mas e o público sabe disso?
Osahar lançou no começo do ano um disso muito bom, talvez um dos discos mais experimentais que esse pais já viu e eu não escutei e não vi ninguém propagandear. OK, eles relançaram o disco, meses depois numa versão Deluxe (pra ver se chamavam a atenção). E até agora não vi ninguém do cenário aqui falar dos manos. Enfim, enquanto não se firmar uma cena firme e profissional em todos os aspectos, o rap nacional vai ser Rio-São Paulo.
Em termos de arte, não se deve nada a ninguém. Os artistas daqui ficam num papinho – que é até salutavel – sobre o game, sobre a necessidade de profissionalização. Mas sem formação de plateia e transmissão das produções ninguém anda. Reclamam de gente que lança um trampo e marca geral (risos). O cara gastou o dinheiro dele todo num estúdio caseiro, vai fazer o que se não puder contar com quem conhece? Enfim, precisamos nos ouvir, nos ver e trocar.
ZSC: Poderia falar sobre o que é feito no rap feminino da região?
Danilo Cruz: O rap das minas no nordeste é muito, mas muito forte e se o dos manos não são escutados pelo resto do país, as meninas – por motivos que são óbvios – são menos ainda. Das que conheço e que botam pra fuder em todos os aspectos: Sil Kaiala, Cintia Savoli, Mirapotira, Arielly Oliveira, Áurea Maria, Biografia Rap, Noblah são minas com as quais tive contato direto e que já possuem trabalhos muito bons. Certamente na linha do que poderíamos chamar de rap de protesto social Cintia Savoli é a figura mais atuante em termos de produções musicais aqui e tem conseguido se infiltrar em vários trampos e lugares. Mirapotira já bagaçou em campeonato nacional de freestyle e atua muito no social aqui na cidade. Poetisa de praça e busu, sempre em movimento. Arielly que já fez parte do Biografia Rap, recentemente lançou sem EP, além de rimar muito, canta em vários registros.
Mas existem muitas, mas muitas minas em Sergipe, Pernambuco e certamente em outros estados do nordeste, mandando muito bem, mas infelizmente ainda não ouvi trabalhos completos, só músicas soltas e entrevistas.