sexta-feira, novembro 22, 2024

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Por que os MC’s Biel do nosso rap não se manifestam?

Era festa, era baile, o som era funk, rap, soul. Eles bebiam. A conversa rolava solta e animada naquela noite, amigos e amigas – todos amantes do hip hop. Na resenha, vários documentários sobre MCs, DJs, B.boys, roupas, estilo e moda da cultura de rua. Tudo por causa da série The Get Down, que estreou dias antes, uma produção original da NetFlix.

Um dos caras, que estava na faixa dos 35 anos, começou a expor suas ideias sobre tudo que rolava na série e nos documentários. Em determinando momento, num tom mais sério, falou:

Já perceberam que a maioria destes filmes mostra como uma cultura foi construída em meio ao descaso do poder público, nos bairros destruídos e abandonados, onde a violência e o racismo dominavam? É só parar pra pensar, nos documentários Rubble Kings e Fresh Dressed, as ruas, as gangues, os jovens e suas maneiras pra sobreviver num espaço onde a paz não era frequente, sabe? As formas como eles conseguiram sair de determinadas realidades e fundar movimentos e os pilares do hip hop. Isso também rolou no The Get Down.

Essa parada é algo semelhante ao que foi feito pelos jovens daqui. Tá na cara que, no Brasil, muita coisa foi feita de modos diferentes, somos diferentes, né? Mas a cultura nasceu de um povo excluído que insistiu em sobreviver, lutar, resistir, se divertir. Não dá pra negar essa ancestralidade, é algo que os afro-americanos e latinos dos EUA carregavam. É algo que os pretos e os pobres daqui também carregavam…carregam. Nosso hip hop nasceu do sofrimento também, superou o sofrimento também.

Hoje, os playboys – os brancos que acham que nossas demandas são coitadismo – pegam uma peneira, separam a origem do rap e do hip hop, tiram nossa vivência, ficam só com os beats, a técnica, as tendências…a grana…e criam uma narrativa própria, onde os protagonistas são eles. E tem muito preto vacilando nessas paradas.

Se liga nos caras que estão tendo mais destaque hoje. Mano, os pretos, as histórias dos pretos…onde estão? Mas a gente resistiu e superou muita coisa no passado, os filmes e documentários de lá e de cá mostram isso. Vamos fazer tudo de novo.

Sabe por que os MC’s Biel do nosso rap não se manifestam? Porque a história da nossa cultura, apesar de começar como entretenimento, sempre teve um DNA de protesto social e códigos raciais que ultrapassaram gerações. Sei que tem muito ramelão preconceituoso no esquema, só que os caras ficam na miúda, guardam suas discriminações e indiferenças num lugar bem longe das suas rimas. Tá bom, eu sei que tem rapper de direita homenageando torturador e político conservador que é acusado por apologia ao estupro. Esse está mostrando a cara.

As ruas estão olhando, a cobrança é certeira, mas até quando? Esses valores essenciais do hip hop estão sendo transmitidos pelos artistas atuais? Não falo de letras e rimas, falo de postura diante de situações de desigualdade…esse bagulho é sério. Sim, quando o assunto for esse, vai ter guardinha no rap, sou um deles.

De repente, um silêncio, as pessoas se olham, esboçam algo, mas se calam. E se desentendem no instante em que falam. Os DJs desligam os toca-discos, abandonam os pads, guardam os microfones. Como diria o poeta: a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou…

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