Dando sequência a nossa série sobre os mais de 80 subgêneros do rap, já tendo falado anteriormente sobre o Country Rap e o Chap Hop, a coluna Rap, a Primeira Batida fala hoje sobre o subgênero chamado Hyphy.
É importante se dizer que o Hyphy faz parte não só do movimento hip hop, mas se articular com um movimento também chamado de Hyphy. É um subgênero que nasceu nos anos 1990, teve seu ápice nos anos 2000 e logo na sequência começou a decair: alguns MCs ainda estão na ativa e fazendo músicas e muitos elementos do Hyphy foram incorporados pelo público geral do rap, mas os próprios produtores do subgênero entendem que o movimento acabou.
O que é e como surgiu o movimento Hyphy?
De acordo com quem promove e já promoveu o Hyphy, o subgênero foi nomeado pela primeira vez pelo rapper Keak da Sneak. De Oakland (do Estado da Califórnia, costa Oeste dos EUA), o MC era chamado de “hyphy”, uma gíria das quebradas da cidade para falar sobre alguém hiperativo, muito agitado, muito enérgico. O MC disse que recebeu esse apelido desde pequeno por comer muito doce e estar sempre muito agitado. Keak começou no rap com o duo Dual Comitte, com 15 anos, que ganhou repercussão em 1994 por uma participação no EP “The Autopsy” de C-BO.
Com alguns amigos, surgiu na metade dos anos 90 o movimento que depois seria chamado de Hyphy. Vendo que, na costa leste, o rap começou a tocar nas rádios mas de forma muito comercial, a galera das quebradas de Oakland começou a lançar músicas não se importando se elas seriam tocadas ou não. A ideia então era fazer o que se queria sem se importar com a repercussão disso.
Na música, essa despreocupação tem a ver com usar batidas com elementos que não necessariamente combinam entre si, com rimar fora da batida, alternar versos rápidos com versos lentos e tudo o que é considerado proibido dentro do rap mais comercial. Então existe uma vontade de se fugir dos padrões, de testar até onde é possível inovar. A ideia então é curtir e se divertir fazendo música.
Fora da música, existem uma série de coisas (hoje incorporadas no rap como um todo) que foram criações do Hyphy. Uma delas é o ghost ridding: você dirigir, sair do carro com ele em movimento, fazer umas danças enquanto segura o volante por fora e curtir aquele momento.
Outro elementos são os Sideshows: eventos de carros onde os motoristas fazem demonstrações de suas habilidade, por exemplo fazendo cavalo-de-pau (driffting) enquanto a galera em volta bebe, conversa, dança e/ou escuta um som. E a primeira união entre os sideshows e o rap veio através do movimento Hyphy.
Por conta dessa despreocupação com o que é “correto”, com a proposta de simplesmente curtir o momento e de ser um movimento do gueto, o Hyphy é muito próximo do subgênero Crunk, do Sul dos EUA. Inclusive existem muitas gírias parecidas: enquanto a galera do Hyphy diz “to get hyphy” no sentido de “ficar doido, curtir o momento”, a galera do Crunk diz “to get crunk” com o mesmo significado. Outra aproximação se deu com o rapper E-40, que inicialmente fazia Crunk justamente por ter sido apadrinhado por Lil Jon, e algum tempo depois aderiu ao Hyphy.
E isso tudo era visto como contraventor, como subversivo. De acordo com o rapper Mistah F.A.B., era feio colar com a galera do Hyphy, eles eram considerados sem noção, alguém que você deve evitar. Pouco tempo depois muito disso entrou para o maisntream como algo bom e esperado dentro do cenário rap.
Quando o subgênero Hyphy ganhou força?
Enquanto o movimento Hyphy surgiu na metade dos anos 1990, foi no começo dos anos 2000 que o subgênero Hyphy ganhou força.
Um dos passos importantes para isso foram os encontros chamados de “Friday Night Freestyles”: criado por Rick Rock, eram evento realizados nas sextas-feiras onde os MCs deveriam fazer freestyles e os melhores eram tocados durante o resto da festa, que já estava dentro do movimento Hyphy.
A primeira faixa considerada Hyphy foi de Keak da Sneak nos anos 2000: “White T-Shirt, Blue Jeans & Nikes” onde o MC rima bem acelerado, com batidas que não se preocuparam em ser comerciais e com muitos elementos (inclusive no clipe) que não faziam sentido existirem caso fossem pensados para entrar nas rádios e na TV. Ainda assim, a música obteve um sucesso não imaginado nem pelo próprio MC:
Outra grande referência foi o rapper Mac Dre. Preso entre 1992 e 1997 por participar do roubo de um banco, logo que saiu em liberdade começou a gravar uma série de músicas e completou um álbum em pouco tempo. Inspirado na pegada do Gangsta Rao mas já dentro da pegada Hyphy, o MC estourou com os singles “Get Stupid”, “Thizz Dance” e “Feeling Myself”. Assim Dre começou a ganhar muita visibilidade dentro do cenário rap e conseguiu emplacar algumas músicas nas rádios e na MTV, o que era considerado um grande feito na época. Da mesma forma, Dre fazia um bom intermédio entre a nova geração de pessoas do rap e a antiga geração, sendo respeitado por todos. Por conta disso, quando foi assassinado em 2004, o Hyphy recebeu um de seus primeiros grandes golpes.
Foi quando o rapper E-40 chegou na costa leste, já sendo respeitado no sul no cenário Crunk, que o Hyphy chegou em seu ápice. Lançando a faixa “Tell Me When To Go”, produzida por Lil Jon, os MCs do Hyphy chamaram a atenção da gravadora Warner Bros. e nesse momento o movimento ganhou proporções nacionais. Foi nesse momento que Keak da Sneak percebeu que aqueles MCs precisavam de uma identidade: apesar de fazerem coisas parecidas, foi nesse momento em 2006 que o rapper nomeou este movimento de Hyphy.
Outra faixa que ajudou e muito a divulgar o movimento foi a “Blow the Whistle” de Too $hort.
O que causou a queda do Hyphy?
Não existe um consenso sobre o declínio do Hyphy. Cada membro do movimento atribui diferentes motivos e razões para isso.
Na medida em que E-40, Lil Jon e Too $hort conseguiram dar visibilidade ao movimento, isso gerou uma mudança. De subversivo, o Hyphy passou a ser algo considerado positivo e, mais do que isso, passou a vender cada vez mais.
Assim, o DJ Big Von, por exemplo, entende que houve uma falha dos MCs no sentido de se promoverem mais criando mais participações, fazendo turnês e/ou se unindo em grupos ou coletivos de MCs, que seriam possibilidades de firmar o Hyphy para fora da Costa Leste. Não fazendo isso, o movimento explodiu e logo desapareceu por não se manter vivo no cenário nacional.
Keak da Sneak, por sua vez, entende que a falha na verdade foi a falta de uma liderança. Por mais que ele seja considerado o criador e um dos principais agitadores do Hyphy, ele próprio nunca assumiu para si esses títulos.
E-40 acredita que a queda do movimento se deu justamente por sua popularização na região. Assim muitos MCs da costa leste resolveram entrar no Hyphy porém sem talento, na opinião de E-40: eles usavam os mesmos samples várias e várias vezes, repetidamente, e no final das contas tudo ficou muito parecido entre si e cansativo.
Ghazi Shami, um dos criadores da distribuidora de músicas Empire, acredita que a queda veio pelo sucesso ter subido à cabeça dos rappers. Muitos entraram no mainstream, se encantaram com a fama e tanto esqueceram o espírito transgressor do Hyphy em suas origens quanto perderam um espírito coletivo que existia.
Já o Rick Rock discorda de Ghazi e diz que nunca ouve um espírito de equipe no Hyphy. Era cada um por isso e justamente isso realizou o declínio no movimento: sua falta de estruturação interna.
Resumindo…
Hyphy (subgênero do Rap)
Origem: em Oakland (Califórnia) e especialmente em São Francisco. Nasceu como uma resistência aos raps comerciais que estavam nas rádios e tinha uma proposta de valorizar a diversão dos MC’s de simplesmente curtirem bons momentos fazendo música e na sua quebrada, sem se preocuparem se a música deles seria escutada nas rádios ou não de forma que o subgênero estivesse não só articulado ao movimento hip hop mas a um movimento chamado também de Hyphy. O Hyphy hoje não existe mais na opinião dos MCs que construíram o movimento, muito por conta dos MCs terem ganhado destaque, terem atraído dinheiro e não terem lidado bem com isso. Ainda assim, muitos legados foram deixados pelo movimento Hyphy para todo o rap.
Assuntos Abordados: curtir bons momentos, roupas, a vida cotidiana, fumar maconha, valorizar as amizades, fazer sexo, dançar, “pagar de louco”, entre outros.
Elementos Rítmicos e Melódicos: o parte rítmica e melódica nasceu inspirada no Gangsta Rap da época com algumas modificações importantes, especialmente o uso de elementos que aparentemente não combinavam com o rap na época (sons que imitam robôs, por exemplo)’e valorização de sons graves fazendo com que o resultado final fosse mais dançante do que muitos sons produzidos até então.
Criadores e Referências Históricas: Keak da Sneak, Mac Dre, E-40, Too $hort e Rick Rock.