Ao se pensar em música popular brasileira, nossas mentes já logo lembram dos artistas que surgiram entre os anos 1950 e 1980 no Brasil em diversos estilos que compõem alguns dos maiores clássicos musicais da nossa cultura. Desde a bossa nova até o samba de morro, passando pela tropicália baiana e vários outros estilos regionais, a diversidade da MPB é algo de dar inveja a muitas outras nações com aspirações culturais tão grandes quanto a do Brasil.
Entretanto, a “formalização” da MPB em um estilo musical acaba por ignorar uma parte essencial da mesma: a sua popularidade. Essa vem não só através do sucesso que essas músicas carregam, mas também pelo fato delas serem expressões de um povo que muitas vezes não consegue seu lugar ao sol sem dispor de muita luta em seu caminho.
Considerando essas duas dimensões, pode-se facilmente argumentar que o rap é uma expressão clara de música popular brasileira. Para além dos artistas de rap que usam samples de MPB em seus tracks, o rap tanto aqui quanto lá fora é uma forma de expressão e exaltação dos oprimidos em um degrau que outros estilos mais tradicionais não conseguem alcançar.
A popularidade do rap, tanto em seu degrau de música do povo quanto de sucesso comercial, explica-se por uma série de fatores. Sua acessibilidade e a alta energia que as músicas do estilo transmitem, em combinação com a possibilidade de se discutir vários assuntos através das suas letras, faz do estilo musical um prato cheio para artistas em potencial e fãs que estão sempre ávidos por novidades. Ao mesmo tempo, o rap é abraçado pelo “mainstream” artístico enquanto mantém seu pé firme nos movimentos culturais alternativos, fazendo assim com que o estilo adote também várias facetas que podem ser adaptadas e adequadas dependendo da situação onde o mesmo se encontra inserido.
Rap e “mainstream” se misturam
A linha que separa o rap do “mainstream” tem ficado cada vez mais tênue, até porque os grandes conglomerados de mídia têm visto que o estilo musical e a cultura que o mesmo gera em torno de si dão frutos comerciais com grandes resultados financeiros. Isso resulta em fatos como o Globo de Ouro premiando Donald Glover, também conhecido pela alcunha de Childish Gambino em seus discos de rap, por sua série de TV Atlanta cuja trama principal é um ex-aluno de uma grande universidade estadunidense ajudando seu primo a lançar sua carreira musical no rap.
No Brasil, alguns rappers tem conseguido avançar muito nestes ambientes corporativos ao mesmo tempo que continuam a passar a frente a mensagem dos menos privilegiados aos seus interlocutores. O rapper Emicida, que foi entrevistado pela TV Cultura no programa Roda Viva em julho, é um dos melhores exemplos. O paulistano de origem humilde também faz parte de alguns programas da GNT, além de ter seus discos na lista dos mais ouvidos nos serviços de streaming como Spotify e Deezer sempre que são lançados.
E o rap acaba se “infiltrando” em outros estilos musicais com maior apelo comercial. A união entre rap e samba feita por Dom M na música “Escolhas e Lembranças”, gravada com participação de Arlindo Cruz, do grupo Fundo de Quintal, é um dos melhores exemplos.
Até nos videogames, o rap já ganha bastante espaço. Muitos apontam jogos como Def Jam Vendetta e Marc Eckō’s Getting Up: Contents Under Pressure como os precursores desse cruzamento. O primeiro teve a presença de vários rappers famosos como DMX e Ludacris como lutadores de Wrestling; enquanto que o segundo acompanhava o artista de grafitti Trane em sua batalha contra o governo corrupto e autocrático da cidade de New Radius, com uma bela trilha sonora de rap e hip-hop por trás dessa jornada.
Intransponível
Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Assim se fez com a franquia de jogos de skate Tony Hawk, onde a trilha musical que antes era dominada por músicas de punk e de rock, tem uma presença marcante de rap e hip-hop desde a versão American Wasteland do game.
Entretanto, existem ainda algumas barreiras para o rap que se mostram intransponíveis até o momento. E uma delas é o tradicionalismo de algumas indústrias que, mesmo recebendo grande influência musical de outros estilos, ainda não adotaram para si o uso do rap apesar de toda a sua versatilidade e disponibilidade.
Isso pode ser ilustrado pelo uso de estilos musicais mais tradicionais como rock e jazz em outras mídias. Mesmo sem o mesmo apelo de outrora, franquias como Rock Band ainda contam com fãs dedicados que continuam jogando os games da série, além de comprarem novas músicas lançadas para o jogo quase que religiosamente. Em sites de roleta online como a Betway Cassino, bandas famosas de rock e de metal como Guns N’ Roses e Motörhead contam com jogos caça-níqueis dedicados a esses artistas. Vê-se algo semelhante no universo cinematográfico com a escolha de produzirem filmes inspirados em artistas de jazz como Miles Davis, além dos filmes que usam da popularidade dos Beatles como “Yesterday”, lançado em 2019 e “Across the Universe”, de 2007.
O fenômeno se explica em parte pelo conservadorismo de alguns lugares na indústria que tem aprendido de forma mais lenta sobre as tendências que vem de fora de suas próprias produções, e que consequentemente tem dificuldade em adotá-las para si. Mas com a chegada de gente nova e com mente fresca no mercado, a tendência é que o rap comece a ganhar mais destaque dentro desse mundo antes fechado para o estilo.
Equilíbrio
É difícil prever quais serão os próximos passos do rap em si, uma vez que estes dependem totalmente de quais artistas serão os líderes do movimento. Por um lado, o apelo do “mainstream” em termos de popularidade e retornos financeiros pode acabar levando o rap a um lado mais comercial e menos popular de fato. Por outro lado, manter-se nos mesmos círculos culturais que já esgotaram seu potencial de expansão não será algo saudável – nem para artistas, nem para o movimento em si.
O cenário ideal seria equilibrar esses dois mundos. O espaço mais alternativo do rap é de onde saem algumas das melhores ideias do estilo, e algumas destas ideias são muito bem recebidas quando chegam à “superfície”. Mas para que o meio alternativo do rap não seja “infectado” pelo processo, é necessário que o mesmo continue a criar música e cultura para si, sem visar necessariamente o sucesso comercial nas criações que eventualmente surgirem.
Caso esse equilíbrio seja alcançado, talvez ainda vamos nos surpreender sempre que Childish Gambino ou Emicida forem celebrados em palcos que foram outrora negados a tantos outros grandes artistas de rap. Mas um dia, isso há de se tornar rotina.