A certa altura de seu novo álbum “Ordem & progresso”, o rapper português Plutonio manda: ”Tinta de ouro/ Na minha caneta Bic/ Pa’ tirar umas férias/ No Brasil ou Moçambique”. Os versos carregam muito do que o artista apresenta ao longo das dez faixas do disco. Em primeiro lugar, a autoafirmação do valor “de ouro” de suas rimas. Depois, a linguagem da rua na ponta da esferográfica vulgar. Por fim, e sobretudo, a ponte — via Portugal — entre Brasil, presente de maneira marcante desde o título do disco, e Moçambique, terra de seus pais. Ou seja, sua ancestralidade e o futuro que materializa no álbum.
— A minha conexão com o Brasil vem de muito tempo — conta Plutonio. O primeiro artista brasileiro que ouvi foi Roberto Carlos, pois minha mãe ouvia muito. A minha primeira tatuagem foi inspirada em “Sobrevivendo no inferno” dos Racionais MC’s.
Com participações de artistas da cena rap brasileira como Filipe Ret, Chefin e Portugal no Beat, “Ordem & progresso” consolida um caminho natural de proximidade entre Plutonio e as terras verde-amarelas. Em 2019, ele esteve no Brasil como atração do festival Back 2 Black. Três anos depois, lançou os singles “Por enquanto” & “4AM no Rio”, ambos com clipes gravados nos morros do Vidigal e da Mangueira. Ouça nas plataformas digitais.
“Ordem & progresso” começou a nascer quando Plutonio e o produtor brasileiro Ajaxx se encontraram em Portugal. Juntos, começaram a trabalhar em algumas das faixas do disco. O carioca Chefin foi o primeiro convidado, gravando participações em “Moçambique” e “G3”.
— Depois que ele gravou essas canções, percebemos que se trabalhássemos com mais calma e convidássemos outros artistas poderíamos ter um projeto que fosse a junção entre Portugal e Brasil na música urbana, de uma forma que nunca se tinha visto antes — explica Plutonio. — Depois, passei um tempo no Brasil e tive oportunidade de trabalhar com mais produtores, como Portugal no Beat.
As bases — assinadas por Ajaxx, Portugal no Beat e Dallass — dão conta da abertura que de sonoridades que “Ordem & Progresso” traz desde sua origem.
— O tipo de beat de “Pensamento” traz marcas de Portugal do Beat, e as guitarras deram uma sonoridade especial também — detalha Plutonio. — A forma como Vulgo canta é meio romântica, meio urbana. Já a música com o Ret (“Novinha grandona”) é diferente das que costumamos ouvir em Portugal. Um ritmo que eu gostaria de me aventurar mais é o funk e acredito que na música com o Haitam fizemos isso. O álbum é bastante versátil, tem funk, tem rap, traz muitas marcas, como a minha conexão com Moçambique.
“Fé em Deus”, com participação de Haitam, abre o disco apontando para a ideia de superação: “Sorte de quem me teve/ Azar de quem não me matou/ Pois sempre acreditei/ Na força das palavras”. Paulistano de origem libanesa, Haitam traz pra faixa influências árabes no canto, com melismas tratados no Autotune, dialogando com as referências à força divina da letra.
O carioca 2T é o convidado de “Taca fogo”, crônica da chapa quente do Rio e de Lisboa, cruzando sotaques e expressões locais: “E eu duvido conhecer/ Lugar mais racista/ Do que em Lisabona (Lisboa)/ Onde os bófias (policiais)/ Não querem ver/ Um preto com guita (dinheiro)”.
Ao lado de Chefin e Ajaxx, Plutonio defende a intensidade de viver a vida “no limite” em “Moçambique”. Já “Agradeço” ironiza o amor que foi embora: “Eu agradeço/ Por não tares aqui”.
Primeiro single do disco, “Pensamento”, com o paulista Vulgo FK, sobe a temperatura ao traçar o retrato da mulher que é “Santinha quando passa/ Louca quando tá sozinha”. “Novinha grandona”, dueto de Plutonio e Ret, mantém a vibe, agora com outra personagem, descrita como “da foda violenta”. O clima segue esquentando com o funk marcando presença em “Toma”, com participação do paulista MC Pedrinho.
Natural de São Paulo, Gaab está com Plutonio na romântica “Vida”, declaração de amor com sotaques de Portugal e do Brasil. Do romance pro crime: “G3” flerta com a atmosfera gangsta, com Chefin e Leviano se juntando ao rapper português. A conexão Brasil-Portugal sob a aura de violência fica nítida nos versos “De Lisabona até São Conrado/ De esquina a esquina tudo organizado/ Abençoado no fogo cruzado”.
“Ordem & progresso” se encerra como começou, afirmando a superação. Agora, em “9Xs”, com participação do paulistano Lele JP. “Tava num BO/ Mas usei mas usei o meu QI/ Pra me levantar dez vezes/ Se dez vezes eu cair”. Palavras que estão em casa nas periferias de Brasil, Portugal, Moçambique e todas as Áfricas que se espalham pelo mundo.