sexta-feira, novembro 22, 2024

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Rotas de Fuga pro Aquilombamento é tema de “FUGIO”, segundo álbum de Tamara Franklin

Fugio” (fugiu) era a primeira palavra de muitos dos anúncios de jornal que comunicavam a fuga de um escravo negro no Brasil do século XIX. Anúncios pagos pelos senhores, que ali ofereciam recompensas a quem recuperasse o “negro fugido” — descrito em “pernas grossas” e “pés esparramados”, como máquina, corpo desumanizado, mera força de trabalho. Por trás da crueldade banalizada naquelas poucas palavras, se escondiam histórias de homens e mulheres que se recusavam a aceitar o papel que era reservado a eles naquele mundo. A quem exigia deles a obediência, respondiam com a fuga — ato de resistência, de heroísmo, de coragem. O princípio do aquilombamento.

Fugio” (Estúdio304) é o nome do disco que a rapper Tamara Franklin lançou neste 25 de agosto de 2020 — num Brasil no qual, 132 anos depois do abolição da escravatura, homens e mulheres negras seguem na mira das “balas perdidas” saídas dos fuzis policiais, da negligência das “patroas” e “patrões”, da pandemia que os vitima com especial força. Em suas dez faixas, o álbum se afirma — tal qual aquelas fugas — como ato de resistência. O princípio do aquilombamento.

A consciência da ancestralidade que se revela no título atravessa todo o disco. Tamara sabe que o chão que pisa hoje — “Fugio” é em tudo, sonoridade e texto, um fruto deste tempo, que aponta para o futuro, foi construído ao longo de séculos. É nessa história que a rapper se insere.

A história de Tamara se insere nessa história negra que remonta à grandeza das civilizações africanas, à opressão sobre seu povo, à desobediência e à busca de reconstrução da identidade estilhaçada pelo trauma da escravidão.

O meu primeiro disco, “Anônima”, fala sobre anonimato, identidade, conta Tamara. Sempre tive muitos problemas para conseguir me reconhecer. Entendi que tudo isso passa pelo racismo, que sempre atravessou e vai atravessar pessoas pretas no Brasil. A luta começa pela existência, antes da resistência. A gente entender que existe e em que condições. Porque, após  o horror da escravidão, a pessoa preta tem hoje no Brasil uma sensação de não-lugar.

Tô aqui, mas não era pra estar, me trouxeram, e agora nem me querem tanto aqui. Mas se eu quiser voltar pra África vou encontrar o que lá? Por isso, quando penso no congado, no Reinado de Nossa Senhora do Rosário, em todas essas tradições que estão no “Fugio”, é como se fosse uma metáfora. Como se o rap fosse eu e todos os pretos da diáspora e a gente precisasse desse autoconhecimento que tem que partir da nossa ancestralidade. É como se o Reinado, o congado, o candombe abraçassem a cultura hip hop e dissessem: “Você não tá sozinho”.

O caminho de Tamara até “Fugio” começou ainda criança, aos sete anos, quando ela  ouviu pela primeira vez no rádio de sua tia e madrinha “Mágico de Oz”, dos Racionais MC’s.

Às vezes eu fico pensando
Se deus existe mesmo, morô?
Porque meu povo já sofreu demais
E continua sofrendo até hoje

E continua sofrendo até hoje os versos de Mano Brown marcaram a menina que já gostava de escrever e brincar de fazer rimas.

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