sexta-feira, novembro 22, 2024

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Saudade comes ‘Runnin’: O lado brasileiro de J Dilla

O hip hop tem uma longa história com samplers em todo mundo. Nos anos 90, começou a expandir o hábito de garimpo em lojas de disco em todo canto no meio hip hop, e a música brasileira passou a desempenhar um papel substancial à artistas do rap trazendo novidades e inspirações nunca antes vistas.

Um desses artistas, conhecido amplamente por sua prática de sampler, é o produtor J Dilla ou Jay Dee. Nas notas do disco “Welcome 2Detroit” de 2001, J Dilla escreve como se interessou por música brasileira:

dilla-madlib-brazil-2005
J Dilla e Madlib na Discomania em São Paulo, 2005. Foto por: Brian B Cross

“Me apaixonei por música brasileira no dia em que ouvi o disco do Sérgio Mendes. A gente costumava fazer improvisos no estúdio de gravação depois do trampo. Um dia, Karrien Riggins colou e eu perguntei pra ele sobre ‘bossa nova’. Ele me deu exatamente o que eu precisava.” (Dilla, nas notas do disco Welcome 2Detroit)

“Welcome 2Detroit” mostra sua inspiração pela bossa nova em duas faixas: “Brazilian Groove” e “Rico Suave Bossa Nova”, ambas são músicas do mesmo período: “Brazilian Rhyme” do Earth Wind and Fire de 1977 e “Cidade Vazia” de Milton Banana de 1976.

Sérgio Mendes - Favorite Thing (disco)
Capa “Favorite Thing” de 1968

Contudo, Dilla já tinha produzido vário beats com música brasileira. No Slum Village, ele gravou uma faixa em 1997 chamada “I Don’t Know” usando músicas do violonista Baden Pawell, que foi lançado em 2000. Um ano antes, J Dilla produziu um faixa para o rapper Mad Skills a qual sampleou “Boa Palavra”, que é uma música de Sérgio Mendes do álbum “Favorite Thing” de 1968.

 

A batida mais conhecida de Dilla, de 95, foi feita para o grupo de rap da costa oeste dos EUA, o Pharcyde. “Runnin” se tornou um dos hits do disco “Labcabincalifornia”, que usou um sampler da música “Saudade Vem Correndo” do saxofonista americano Stan Getz junto com o violonista brasileiro Luiz Bonfa.

Ouça, abaixo “Saudade Vem Correndo”:

Mas como exatamente Dilla usou esta música brasileira neste beat e quais as consequências e significado que isto teve para a música?

Uma semelhança impressionante, ou melhor dizendo, a continuidade entre as duas músicas está num nível textual. Tanto no título como na letra, “Runnin” pode ser interpretada como referindo-se ao nome original da música sampleada, que é “Saudade Vem Correndo” enquanto “Runnin” (running) em inglês significa ‘correndo’. Saudade é uma palavra em português sem uma tradução direta no inglês, geralmente relacionada a um estado de nostalgia ou desejo melancólico por algo ou alguém. A letra de “Saudade Vem Correndo” é cantada uma vez:

runnin

Aqui, correr se refere a algo que vem para a pessoa destinada. No contexto de “Runnin” do Pharcyde, o verbo se aplica ao personagem principal e sua afirmação de que ele não pode fugir dos seus problemas, como no refrão da música que repete a frase: “Não Consigo Fugir” (Can’t Keep Runnin Away).

Embora o verbo “correndo” adquira um significado diferente em sua nova forma, é interessante que a letra se refira a sua fonte de inspiração. A questão é, se J Dilla ou um dos membros do Pharcyde sabia o que significava o título em português e se referiu deliberadamente ao título original. Por outro lado, a forma como “Saudade Vem Correndo” é creditado no álbum “Labcabincalifornia” não expressa muito interesse ao disco original.

Runnin contém trechos de “Saudade Vem Correndo” (Bonsa / Toledo) gravadas pelo Stan Getz Jazz Samba Encore, sob autorização da Polygram Special Markets” (nota da capa de  Labcabincalifornia).

Em primeiro lugar, o título original está escrito errado, assim como o sobrenome do violonista. Em segundo lugar, neste crédito parece que “o Stan Getz Jazz Samba Encore” é o artista ou grupo de gravação, enquanto na verdade é o nome de apenas um dos artistas de gravação (Stan Getz) mais o título do álbum (Jazz Samba Encore) só que escrito junto.

O que é evidente no entanto, é que J Dilla tinha um interesse genuíno por música brasileira. Através desse interesse, ele posicionou a música e os discos brasileiros como uma importante fonte de inspiração, dando exemplo à outros artistas do hip hop como J Rocc, Cut Chemist, Ugly Duck, De La Soul, entre outros. E finalmente, 10 anos após o lançamento de seu principal beat brasileiro, ele realmente viajou para o Brasil: “Naquela época, estávamos fazendo Brasilintime (evento realizado no Sesc Pompeia). Então eu tipo: Caralho, Dilla é a primeira pessoa a samplear um disco brasileiro. O primeiro cara no hip hop a sentir essa merda de verdade, que fez “Runnin” do Pharcyde. Vamos fazer isso com certeza, vamos trazer Dilla para o Brasil. Como se fosse algo enorme. No nosso mundo era tipo: Nossa, algum tipo de círculo foi concluído de alguma forma.”, comenta o fotógrafo Brian B+ Cross para Egotrip. (Veja mais AQUI).

Confira a playlist das músicas citadas no post:

Texto de Anneke Van Woerden originalmente publicado em www.musicamacondo.com
Tradução: Thais Ribeiro

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