Através da arte urbana, grupos e indivíduos que foram silenciados pela cultura “acadêmica” encontram uma voz poderosa. Essa forma de expressão social e estética traz à tona traumas, reivindicações e sonhos que dificilmente teriam circulado de outra maneira dentro das instituições da indústria cultural. As paredes ganham vida, tornam-se telas vivas nas quais as vozes marginalizadas encontram espaço para serem ouvidas e vistas. Inédita, a série “Novo Mundo, Pintura de Rua na América Latina”, exibida com exclusividade no Curta!, vai explorar o tema e abordar um país diferente a cada episódio. São eles: Bolívia, Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia, Brasil e México. A direção é de Belisario Franca e Juan Tamayo.
O primeiro capítulo, dedicado à Bolívia, conta que o país abriga uma população mestiça e indígena, composta por mais de 36 nações, cada uma com suas percepções, cosmovisões, cores e maneiras distintas de enxergar o mundo. E, por isso, é importante romper com o classismo presente na sociedade boliviana e trilhar um caminho que permita descolonizar e valorizar a verdadeira essência do povo boliviano. Reconhece-se que a descolonização só é possível quando aliada à despatriarcalização, ou seja, ao rompimento com estruturas patriarcais que permeiam a sociedade.
Para os artistas e ativistas apresentados no episódio, o grafite desempenha um papel fundamental na ocupação do espaço público, especialmente das ruas. Elas são consideradas o único espaço onde a democracia e a história na Bolívia e em toda a América Latina está representada. Através do grafite, os artistas se expressam e resistem, possibilitando a descolonização visual e o resgate das identidades culturais.
Entre os entrevistados, está Leonel Jurado, muralista do Cemitério dos Elefantes, que compartilha sua perspectiva sobre a tradição recente da arte urbana na Bolívia. Ele e seu colega Javier del Carpio, ambos provenientes da academia, decidiram levar sua arte para as ruas como uma forma de alcançar e envolver a maioria das pessoas, fugindo da burocracia e elitismo das galerias. Javier, também muralista do Cemitério dos Elefantes, ressalta que um objetivo do grupo foi se aproximar dos movimentos sociais.
O pesquisador de arte urbana Rodny Montoya relembra que a entrada do grafite na cultura boliviana se deu a partir dos anos 1990, com a intenção de expressar a identidade individual e do grupo. Ele menciona a influência dos tiwanakota (civilização pré-colombiana) e dos elementos “crioulos-urbanos” nas obras de grafite, representando assim a identidade da população boliviana.
Em depoimento, o artista urbano El Marsh revela que, ao criar um ícone, seu objetivo não é necessariamente político, mas reconhece que a arte de rua também pode ser transformadora. Ele destaca o passado de racismo no país e a relutância de muitas pessoas em aceitar sua própria origem, e usa sua arte como uma maneira de promover a consciência sobre a diversidade e a mistura cultural.
A produção é da Giros Filmes e Tercermundo Producciones e foi viabilizada pelo Curta! através do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). A estreia é na Terça das Artes, 30 de maio, às 23h.