Xandão Cruz é um ativista que circula entre o rap underground e o ragga. MC, cartunista e comunicador, Xandão criou um trabalho que mescla música e desenho para combater a intolerância religiosa e diferentes tipos de preconceitos. “Basta de Intolerância” é o mais recente som de Xandão, artista que também divulga o vinil do single “Corpo Fechado”, um remix em parceria com o pioneiro Thaide. O ZonaSuburbana trocou aquela ideia forte com o mano. Se liga na parada abaixo.
ZS: Seu trabalho vai do underground, passando pelo ragga, quais as vantagens de ter a mente aberta numa cena que é facilmente invadida por modismos?
Xandão Cruz: A vantagem é informar, formar, desconstruir, resgatar, e criar adeptos que se identifiquem com as raízes do hip hop, de onde ele veio antes de chegar aos EUA, trazendo história na composição das letras, nas instrumentais, quebrando tabus, mentes colonizadas e outras coisas que atrofiam o cérebro de muitos dos envolvidos na cultura.
ZS: Qual a importância da identidade negra em sua música e na militância em tempos de racismo escancarado?
Xandão Cruz: Resgate a autoestima e panafricanismo musical; luta na rua, no boca a boca, mostrando que seriados como: Mr. Brown e o personagem Mustafary , do ator Marco Luque, só nos diminuem e destroem a luta que Abdias do Nascimento, Jorge Ben, Lecy Brandão e Racionais MCs plantaram pra minha geração colher e repassar.
ZS: Você também é um dos pioneiros da comunicação no hip hop. Dos fanzines aos blogs. Fale um pouco sobre essa experiência e seu desenvolvimento de cartuns.
Xandão Cruz: Tenho a página Mundinho em Cartum, onde posto diariamente trabalhos contra o machismo, falo da cultura Ras Tafari , doenças e outros. Colaborava na Revista Rap Brasil, Jornal Estação HIP HOP, Boletim do Kaos, e inúmeros fanzines, além do zine que eu fazia, o Rap Na ida e na Vorta, que fez muitos jovens terem acesso à cultura numa época onde ninguém tinha acesso fácil. No site Real Hip Hop, também escrevi muito, tudo isso que fiz foi por influência sempre dos antepassados, tudo o que eu já fiz na vida sempre teve um que fez antes, que plantou pra estarmos aqui. Agradeço ao Nino Brown, que trocava fanzines comigo por carta e me influenciava em 1997, quando eu morava no interior de São Paulo.
Pra quem curte um cartum tem no meu insta: xancruz, sempre com conteúdo revoltado e acidez extrema, influenciado pelo cartunista Mauricio Pestana, Agê, Ed, Ota, Flavio Calazans e Alexandre de Maio.
ZS: Você está divulgando um vinil de um clássico do rap em parceria com Thaide. Como foi essa parada da gravação nesse formato?
Xandão Cruz: Thaide é meu grande mestre nas composições, um cara que ouvi criança, o primeiro rap que ouvi foi “Corpo Fechado” e, um dia, no Hole Clube, onde estávamos em uma turma grande cantando como fazemos no ragga no formato “bashment”, o Thaide estava junto com a gente, foi aí que tive a ideia de cantar na instrumental dancehall o canção dele: “Corpo Fechado”, foi imediata a sensação que poderíamos futuramente gravar juntos em versão ragga,. Na gravação do disco do Projeto Rookie, gravamos essa música com a batuta do Jimmy Luv, que saiu no disco com essa versão ragga e uma outra versão remix da remix, somente com trechos de instrumentais que embalavam as danças do Thaide quando ele freqüentava a São Bento nos anos 80, produzida pelo Mad Zoo. O Chris, do sistema de som Radiola Pret, me incentivou a juntar com ele uma “merreca” e pedirmos pra Casa Brasilis prensar os Lo-Fi. É uma grande satisfação e um sentimento de respeito ao lançar esse compacto, emoção mesmo.
ZS: O preconceito e a intolerância religiosa é uma realidade tratada em seu novo single. Qual o papel das religiões de matriz africana para a autoestima, espiritualidade e luta do povo negro?
Xandão Cruz: “Basta de Intolerância” fala sobre guerras entre culturas e religiões, todos tem seu motivos pra guerrear entre si, seja raízes históricas, territorial, políticas, cor, credo e outros arregaços, por isso escrevi essa canção onde só “loopei” a música “A hora de amar”, do Agnaldo Timóteo, e cantei por cima. A importância das religiões de matriz africana pra nós é certeira, incisiva e legítima, seja você de qual religião ou cultura for, isso te traz espiritualidade, seja ela negativa ou positiva. Precisamos disso, de nosso momento com o espiritual, no caso do Brasil, somos empurrados pela mídia a odiar tudo que é do negro, nos fazendo criar sincretismos e tapar nossos olhos pra nossa africanidade. Agradeço de coração ao DJ Cortecertu por esse espaço onde podemos mostrar a todos nossa revolta e nossa história.
Confira “Basta de Intolerância”, faixa que conta com instrumental looping da música ‘A Hora de Amar’, de Agnaldo Timóteo.