Vinicius Preto, integrante do grupo Zamba Rap Clube, acaba de lançar seu primeiro trabalho solo, o EP Não Me Diga Que Está Tudo Bem. Em 5 faixas, Preto mostra a veia engajada do rap brasileiro. As produções são de seus parceiros Emerson Toco e Cesar Hostil. Dory de Oliveira também manda suas rimas no disco. Conversamos com Vinicius Preto. Leia trecho da entrevista abaixo.
ZS: Firmeza, não vou te dizer que está tudo bem, mas o que podemos fazer para mudar essa realidade?
Vinicius Preto: Irmão, tenho muito a dizer, vamos ver o que lembro (risos). Não, não esta tudo bem. Em 2016, ano do Golpe, ainda tem gente morrendo apenas por ser negro, por ser gay, trans, de esquerda, mulher ou pobre, e não necessariamente nesta ordem. Até porque imaginamos uma pessoa negra, gay ou trans, de esquerda e que more na periferia de uma grande metrópole? Esta pessoa é invisível diante dos empregadores, diante de nós mesmos, até de mim. Creio que essa reflexão já me ajuda a combater os meus e os problemas dos outros. Não podemos dizer que está tudo bem, mas como você perguntou, para mudar esta realidade eu vejo que as mudanças já começam com os nossos conceitos pré-estabelecidos culturalmente enraizados, com a inclusão de um ensino de Direitos Humanos nas grades curriculares, depois eu vejo que só na política e com leis mais severas para a intolerância, pois esta história de que tem racismo e injuria racial eu não compro. Mas as mudanças passam sempre pela educação, pra ficar tudo bem mesmo, vai demorar, mas eu acho que já estamos no embrião.
ZS: Acha que a solução pode vir dos coletivos e movimentos sociais periféricos?
Vinicius Preto: Sim também, acredito nisso. As ações de diversos coletivos, sejam de hip hop, sejam de emponderamento da mulher negra e de todas as mulheres, sejam coletivos que trabalham com educação, todos são muito importantes. Creio que os movimentos sociais poderiam estar mais interligados no nosso sistema de ensino. Porque não aprendemos na escola a importância dos direitos humanos? A Liberdade de expressão, de gênero, de acreditar ou não em alguma religião, isso é importante para as soluções dos problemas, e isso muitos movimentos fazem. No ensino médio, ensinam a importância dos direitos trabalhistas? Não, não somos ensinados a ter direitos, só deveres. A qualidade da democracia aumenta quando a população é mais escolarizada, a gente sabe disso e a religião se enfraquece nisso, o que é ruim para mutias pessoas que ganham dinheiro com a fé dos outros. As pessoas com mais esclarecimentos se tornam mais céticas, não acreditam em tudo, nisso os movimentos vem para mostrarem o lado da própria pessoa.
ZS: Os artistas do hip hop poderiam dar visibilidade e correr juntos com iniciativas que colocam as questões negras e periféricas em pauta, valorizar mais a mídia alternativa e preta como as minas do Blogueiras Negras, o site Alma Preta ?
Vinicius Preto: Estamos em um momento, por mais que não apareça em alguns veículos tradicionais, em que os pretos e pobres vem sofrendo muito mais do que há alguns anos, o caso dos 5 caras da Zona Leste que foram assassinados mostra isto. A intolerância e a luta de classes estão cada vez mais nítidas. O rap e todo o movimento hip hop vem denunciando as mazelas e desigualdades há anos, lutando e transformando pessoas e lugares. Mas quando somos destaques na mídia “maior”? Quando as coisas não saem como esperado e quando soam negativas, por isso hoje temos muitos blogs e sites que divulgam e denunciam os problemas. Sou fã do Douglas Belchior e do blog dele, creio que é de suma importância, mas muitos grupos e MCs ainda estão preocupados em serem destaques nas mídias maiores, o que não é problema, mas esquecem que quando for para destruir e caluniar todo um movimento, serão os primeiros, vide Racionais na Virada Cultural. Destaco também o trabalho do Agenda Preta, Geledés, DoLadoDeCá, que se somados com a luta do rap e de todo o hip hop, vão dar forças para os dois lados e elevar a autoestima da periferia e de todas as pessoas que abraçam a causa.
ZS: O que você quis dizer com o rap “Samba à venda”?
Vinicius Preto: Eu estava lendo o livro do Noel Rosa, do Cartola, do Moreira da Silva e da Dolores Duran e vi algo em comum em todos os artistas e compositores daquela época: os artistas já renomados só gravavam as musicas inéditas, se pudessem também assinar as composições em conjunto ou ter a assinatura integral da obra… Pois bem, depois disso, eu fiquei refletindo sobre uma entrevista do cantor Thiaguinho, o qual gosto bastante, mas ele tinha dito que mudou a história do samba. Com todas as ressalvas que podemos dar, sabemos que o que ele mudou foi a própria história, pois o samba é muito maior e a relevância dele para mudar a história ainda é pequena ao meu ver. Foi aí que eu pensei que o samba estava à venda, como se fosse um produto de pegar, como se tivesse uma receita para ele, e não estavam fazendo a receita corretamente.
ZS: Fale sobre a música Sobre Coisas Bonitas E Corações Inquietos, com Participação de Dory De Oliveira.
Vinicius Preto: Esta música eu fiz em um momento em que vi uma frase na internet que era: ‘precisamos falar sobre as coisas bonitas”. Pronto. Pensei que poderia falar algo a respeito, mas eu sou muito inquieto, por isso o título da música. Me inspirei bastante no beat, que é do meu irmão Emerson Toco, a partir disso pensei na Dory pra participar. O refrão é todo dela, dei a liberdade para ela fazer e participar porque além de sermos amigos, eu sou fã do trabalho dela. Além de cantar bem, ser uma ótima MC, escreve bem também, então não tinha como dar errado. O álbum dela, no meu ver, está entre os 3 melhores se formos falar apenas de mulheres no rap, pois traz a força dela, a modernidade atual mas aquela “pitada” de rap anos 90. E a vida ja é sofrida, já falamos bastante do que não esta bem, falar de coisas bonitas nos dá esperança de dias melhores.
Confira o EP “Não Me Diga Que Está Tudo Bem”: